Vamos Dormir?
Malcolm Gladwell , em seu livro Outliers (Fora de Série, em português), nos ajudou a entender que embora existam pessoas naturalmente talentosas para esportes, música, idioma ou qualquer outra habilidade, a regra das “10 mil horas” de prática pode tornar qualquer um excelente no que faz.
O estudo de K. Anders Ericsson, relatado por Gladwell no livro, concluiu o que a nossa Hortência do basquete sempre falou: “rala que rola” ! Os violonistas disciplinados, pesquisados por Ericsson, eram mais “talentosos” do que os menos disciplinados, aqueles que praticavam menos violino durante o dia. Hortência também diz que todas as jogadoras iam embora quando o treino acabava. Afinal, tinha acabado, certo? Ela e a Magic Paula ficavam lá, treinando por mais algumas horas. Talentosas? Também, mas não só. No aprendizado de idiomas não é diferente, tem gente que tem mais talento, outros menos. Mas todos, todos que estudam com regularidade – mesmo sozinhos - conseguem chegar a um nível avançado da língua, se tiverem boas fontes.
Ok, mas o que isso tem a ver com o título deste artigo?
O que o Gladwell não divulgou sobre a pesquisa do Ericsson é que o segundo fator que mais contribuiu com a excelência dos violinistas – e com a excelência de qualquer profissional - foi…. o sono. Sim, o grupo de violinistas que dormia oito horas por dia teve um desempenho muito melhor durante todo o período de observação.
Quando médicos e curiosos (como eu) falamos sobre a importância de dormir por oito horas todas as noites, alguns sempre respondem: “Ah, mas eu me sinto super bem com seis horas!” As novas perguntas da Neurociência são : “Será que você já se acostumou a se sentir cansado, e está achando que este é o seu padrão de bem-estar? Será que seu corpo e mente estão dando sinais de que estão precisando de algo, mas você, tão ocupado, nem ouve? Está tudo bem, mesmo?” Geralmente a resposta é que está tudo bem, só uma insônia em um dia, uma dor de cabeça no outro, dor nas costas no outro, um descontrole emocional no outro, probleminhas no estômago…. E tem remédio para tudo isso hoje, tão fácil resolver. Mas será que estamos identificando as verdadeiras causas?
Em uma pesquisa publicada na revista Harvard Business Review, Charles Czeisler, professor de Medicina do Sono da Faculdade de Medicina de Harvard, explicou que a privação do sono provoca em nós uma debilidade muito semelhante ao álcool na corrente sanguínea, mesmo que a reação seja diferente. Simplesmente ficamos alterados em nossas funções emocionais e cognitivas e não percebemos. Ele diz que uma sociedade que elogia e exalta as pessoas por trabalharem demais se privando do sono, é uma sociedade com problemas sérios de valores. Bom, sobre os valores nós já sabíamos.
Estudos da Universidade de Luebeck, na Alemanha, concluíram que o sono melhora não só a saúde do corpo, mas também a nossa capacidade de resolver problemas e tomar decisões durante o dia. As conexões naturais realizadas durante o sono nos ajudam a, ao acordarmos, encontrar soluções mais facilmente para os problemas, a sermos mais criativos e produtivos. Será por isso que o Google tem em sua sede os sleep pods, ou “compartimentos do sono”?
A cultura do super-homem e da mulher-maravilha, aqueles que dão conta de tudo e dormem quatro horas por noite, ainda existe. Infelizmente. No entanto, aos poucos, empresários como Jeff Bezos (Amazon) , Mark Andreessen (Netscape) e tantos outros já começam a mudar o paradigma de que se tem de dormir pouco para se chegar a algum lugar. Eles dão vários testemunhos do quanto reorganizar o tempo e a vida, respeitando estas oito horas de sono, são fundamentais para realizar tudo o que importa depois.
Mas se Gladwell diz que temos de praticar e praticar, para nos tornarmos ótimos em algo, e os médicos dizem que temos de dormir e dormir – e minha conta bancária diz que tenho de trabalhar e trabalhar (isso sem citar outras vozes como a dos filhos, amigos, família, marido etc), como é que esse artigo termina?
Voltamos na lição número 1 da aula de gestão de tempo. Tempo é escolha, e temos de colocar na nossa semana, primeiro, tudo o que mais importa. Se tem coisas demais, escolha tirar alguma, corajosamente. Dormir, fazer atividade física, estudar alguma coisa, ficar com a família ou com quem se ama – isso tem de estar na agenda e talvez deva ser considerado algo como “sagrado”. Não dá tempo para ir aos três eventos para os quais foi convidado e que são suuuuper importantes, sem comprometer o que é “sagrado”? Vá a um, ou não vá naquele mês. Não deu tempo de atualizar o Facebook, contando tuuuudo o que está fazendo? Não atualize nesta semana. Observe que geralmente exageramos naquilo que mais gostamos, e isso não quer dizer que vamos parar, tirar o prazer de fazer (isso nunca), mas pode estar na hora de reduzir um pouquinho o que exageramos. Pode ser que exageremos, porque adoramos cozinhar, cuidar da casa, ir a eventos, ficar na internet, ir à academia, assistir séries - nós sempre exageramos no que mais gostamos. Diversificar a agenda, abrindo espaço para outras descobertas e para novas práticas diárias das habilidades que queremos conquistar finalmente. E um pouco de silêncio diariamente, longe dos ruídos dos aparelhinhos e da tagarelice mental. Silêncio que pode vir bem acompanhado de uma boa noite de sono. A vida muda, quando mudamos.
Rosangela Souza é fundadora e sócia-diretora da Companhia de Idiomas e ProfCerto. Graduada em Letras e Tradução/Interpretação pela Unibero, Business English na Philadelphia, USA. Especialista em Gestão Empresarial com MBA pela FGV e PÓSMBA pela FIA/FEA/USP. Desenvolveu projetos acadêmicos sobre segmento de idiomas, planejamento estratégico e indicadores de desempenho para MPMEs. Colunista do portal da Catho Carreira & Sucesso, RH.com, Aboutme e Exame.com. Professora de Técnicas de Comunicação, Gestão de Pessoas e Estratégia na pós graduação ADM da Fundação Getulio Vargas/FGV.