Este é o segundo artigo de uma série sobre as práticas adotadas por Bernard Tapie, político e empresário francês, para recuperar empresas à beira da ruína financeira. No primeiro, abordamos características do método de abordagem referentes à composição da equipe técnica, conhecimento da organização, combinação de pessoas com os respectivos papéis e a fase de convalescença econômica e financeira. No presente artigo, comentamos aspectos da filosofia de trabalho relacionados com valores, disposições mentais e atitudes. Vamos a eles:

 

Go back to basics. Tapie explica que, embora muitos prefiram atribuir a recuperação de empresas à beira da ruína a elementos sobrenaturais ou duvidosos (apoio de sindicatos, interesse de políticos, descumprimento de leis, postergação de compromissos), na verdade empresas recuperadas que apresentavam prejuízos elevados passaram a gerar lucros já no ano seguinte.

 

Vendas maiores com menos pessoas na estrutura, redução de desperdícios e sucesso no combate à ineficiência são explicações melhores e mais realistas. Para isso, na maioria dos casos se faz necessário aplicar um plano industrial baseado em recursos tecnológicos avançados, operar com um marketing alinhado ao mercado e serviços de comercialização dinamizados, recompor a imagem perante o púbico e fabricar produtos adequados ao mercado, assim como aos canais de distribuição do momento. Um negócio pode funcionar com muitos ativos intangíveis e abstratos, porém não se deve negligenciar a importância daqueles que são tangíveis e concretos.

 

Promover a mentalidade certa. É importante levar a sério a necessária mudança de cultura, tendo por base a conscientização dos gestores e supervisores, a entender que dali em diante eficiência e responsabilidade têm de estar juntas, combinadas com os meios para o exercício do papel de cada um na organização, delegação de poderes e autonomia. Trata-se ainda de estar em harmonia com a nova cultura que se forma na empresa em razão da transição, e participar dela. Convém criar uma mentalidade alinhada com o sucesso, e com a ideia de que os ganhos de imagem gerarão benefícios amplos e valorizarão todos os colaboradores. Já que muitas vezes se ouvirá que estão no mesmo barco, convém saber qual barco é esse.

 

Aproveitar os benefícios, lidar com as contrapartidas. Na França e em muitos países, a legislação busca propiciar condições que favoreçam a justa recuperação financeira da empresa; entre elas costuma haver um prazo em que o pagamento de dívidas é adiado, para que as providências saneadoras surtam efeito e os compromissos possam ser saldados depois.

 Este intervalo é usado para proceder à regularização das contas, ao exame e tratamento dos passivos existentes, às negociações com credores, aos procedimentos legais relacionados com credores privilegiados por lei, etc.

 

Seria irracional deixar de aproveitar esse benefício oferecido a todos os que promovem a recuperação judicial. Por outro lado, perde-se crédito junto aos fornecedores, que passam a exigir pagamentos à vista; os encargos decorrentes da reestruturação e das demissões são pagos imediatamente, o que produz desvantagem em relação às empresas concorrentes ao concentrar gastos que de outra forma estariam mais bem distribuídos no tempo. Há ainda um terceiro elemento: a necessidade de compensar investimentos que geralmente não vinham sendo feitos porque as condições financeiras da empresa não o permitiam.

 

Em vista disso, três bons indícios de sucesso na recuperação são justamente a recuperação do crédito perante fornecedores; o benefício posterior sobre o fluxo de caixa derivado de haver antecipado gastos com pagamento de direitos a funcionários; e o ingresso em uma fase de programação normal de investimentos.

 

Adotar uma atitude clara em relação ao endividamento. Tapie costumava dizer que sua atitude frente ao endividamento não era uma posição voluntariosa, e sim o resultado de um cálculo simples: sob taxas de juros elevadas e crescentes na França (os juros nominais se mantinham, enquanto a inflação caía), manter dívidas financeiras corresponderia a uma forma de suicídio, possibilidade que sempre procurou combater por meio de aumentos de capital via bolsa e liquidação impiedosa de ativos inúteis ou improdutivos. Afinal, despesas financeiras são um elemento que está presente em todas as empresas que atingiram a ruína financeira; configuram o tipo de coisa que se pretendia, com a reestruturação, consertar.

 

Assumir riscos, ter os ovos em várias cestas e o Estado bem longe. Tapie considerava escandaloso que executivos aproveitassem brechas na lei para proteger seu patrimônio pessoal e enriquecer enquanto suas empresas se arruinavam; entendia que a aquisição de negócios deve ser feita para diversificar o portfólio do adquirente, reduzindo os riscos de se concentrar em um mercado; e entendia que dar independência às organizações adquiridas reduzia as chances de que a eventual ruína de uma comprometesse as demais controladas por ele.

 

Enfrentar os problemas, mesmo quando é possível fugir deles. Ao fazer a engenharia financeira da operação de salvamento, pode-se optar por separar a parte podre do negócio da parte boa, adquirir esta última e deixar os problemas para outro gestor resolver. Esta maneira, mais conhecida e mais simples, nem sempre é aceita porque torna difícil chegar a um acordo que a viabilize, dadas as divergências de interesses entre as partes envolvidas: novos potenciais investidores, credores, clientes, funcionários e sócios. Tapie costuma seguir outro caminho, ao assumir os compromissos existentes embora sujeitando o valor deles ao efeito corrosivo de rodadas de negociação. O fato de os acordos terem sido realizados (como aconteceu) é indício de que as partes envolvidas não encontraram alternativas que fossem melhores do que aquilo que lhes foi proposto nessas rodadas.

 

Evitar pactos com o diabo. O empresário recomendava também que as organizações se afastassem dos poderes públicos, uma vez que ter o mercado estatal como cliente ou trabalhar com dinheiro de sociedades controladas pelo Estado torna a organização uma serva do poder, reduzindo sua margem de liberdade e sujeitando-a a decisões não necessariamente racionais. Outra recomendação era a de reconhecer quando, passada a fase de recuperação, o negócio poderia prosperar mais se passasse a ser administrado por outras pessoas -- mais aptas, conhecedoras do mercado ou capaz de promover sinergia tal que lhes permitiria extrair do negócio um melhor desempenho. Tal condição marcaria o momento de vender o negócio.

 

Respeitar o conceito mais elementar de todos. Tapie comentava que para consolidar ou desenvolver empresas compradas, às vezes era necessário criar novos empreendimentos. Ao fazê-lo, percebia que não existe diferença essencial entre administrar empresas reestruturadas e criar empresas a partir do zero. para ele, o mesmo, velho, e bom princípio essencial não é novidade: "no fim, é preciso haver mais dinheiro entrando do que saindo para que um negócio valha a pena."

 

Hoje em dia, quando startups informam que se arruinaram porque "queimaram dinheiro além do previsto inicialmente", vemos que conselhos singelos como esse não perderam a importância. Convém que recomendações simples não fiquem escondidas atrás de sofisticação, abstrações, otimismo exagerado e propostas de negócios tão inovadoras quanto descoladas da realidade. Se a mistificação tomar o lugar dos fundamentos da gestão, a safra de futuros insucessos poderá não encontrar salvadores da pátria em quantidade suficiente para recuperar tantos novos negócios que fracassarão.

 

Semelhantemente ao que acontece nos processos de emagrecimento planejado de pessoas, parte do esforço de recuperação de um negócio tem a ver com reeducação, persistência e sacrifício. Assim como acontece com as empresas de outros países, as francesas têm suas gorduras administrativas, ineficiências, problemas de adaptação e outras dificuldades. Organizações, porém, como a Adidas (1990 a 1993), Terraillon (1981 a 1986), Look (1983 a 1988), La Vie Claire (1980 a 1995), Testut (1983 a 1999), Wonder (1984 a 1988), Donnay (1988 a 1991) e outras puderam se beneficiar com o estilo Tapie de reduzir ineficiências e trabalhar para recuperar a viabilidade de negócios. Elas queimaram gorduras, e não recursos.

 

PALAVRAS-CHAVE: turnaround management, recuperação financeira, reestruturação.

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