A situação é imensamente desafiadora. O profissional, anos e anos numa determinada empresa, num certo momento é avaliado como dispensável. Por muito tempo ele acreditou que sua situação era perene, permanente...  

E agora começa a ver que, de repente para a sua percepção, mas lenta e firmemente na perspectiva da empresa, todo aquele trabalho realizado por ele deve respaldar a entrada de novas pessoas e novas contribuições. Assim as coisas acabam por acontecer.

 Todavia, a contínua ilusão de permanência permeia o comportamento humano em todas as áreas. Apesar de todas as evidências de que tudo começa e deve encerrar-se, o homem aqui denominado de “profissional” criou um determinado espaço na comunidade empresarial em que ingressou. Laços formaram-se e seu “modo” de estar na empresa impregnou aquele ambiente, assim como foi impregnado por ele. Inicialmente e certamente, suas contribuições em desempenho e resultados foram imensamente valiosas. Durante um longo tempo, na verdade, foi assim. Mesmo que, lentamente, suas características pessoais passassem a sobrepujar seu desempenho profissional. Para o bem e para o seu próprio mal, já que as empresas também não estão imóveis. Como coisa alguma, aliás. As empresas crescem progressivamente na direção de seu progresso ou descem ao seu fim, como tudo. E tudo feito por pessoas é assim.

Ocorre que a empresa mudou. E mudou porque o mundo, por sua vez, também mudou. Esta mudança exige de quem faz parte dela que também mude. Para continuar sendo agente deste mesmo processo de continuamente modificar-se. E ocorre também que as características pessoais acabam por sobrepujar aquelas profissionais. Consequentemente, as mudanças acabam por ocorrer cada vez mais independentes da participação dele. Há uma espécie de “recuo” sobre o espaço daquele profissional para que ele primeiro não as questione. Depois o recuo se amplia para que ele não as atrapalhe. Mesmo assim, chega o momento em que o próprio espaço onde ele está precisa seguir em transformação. Nenhum recuo talvez vá adiantar, neste caso...

E a pessoa que, há longos anos atrás, havia realizado todos os seus esforços na busca do que considerava o melhor, vê então - e tardiamente - que todas as suas noções do que seja o “melhor” já haviam passado... Talvez ele não as tenha percebido, cioso que estava em marcar o lugar com sua personalidade e as mesmas receitas de eficiência repetidas à exaustão.

Talvez o alegre chegar e ver suas marcas no mesmo lugar tenha sido precisamente o primeiro sinal – e isto muito tempo antes de sua demissão – de que ele estava fazendo algo errado. Ou, talvez, deixando de fazer. 

As empresas não são usualmente estruturas sem coração, não. É imensamente injusto supor isso. Não é o que se vê no cotidiano empresarial. Acreditem alguns ou não.

Empresas sempre possuem colaboradores em suas fileiras que continuam lá por diversos motivos.  Seja por gratidão a resultados do passado, ou a compreensão de que sua contribuição foi tão importante que ele é considerado “patrimônio” da casa. Seja porque a economia pode estar permitindo o luxo de manter alguém dentro da organização. Mesmo que este alguém não seja mais a mesma pessoa de antes. Quase toda empresa deve ter alguém assim. Alguém que começou, que fez, que continuou fazendo. Que não era mais necessário com tanta urgência, seja por suas qualificações ou qualquer outro motivo...  Mas que, graças à sua individualidade e histórico de bons serviços conquistou um espaço “seu”. E continua lá.

Porém, quando chegam as chamadas “crises”... Seja por que motivo for que as tais crises aconteçam... Pela sobrevivência da organização, o que era bem possível torna-se inevitável. E, muitas vezes, o que era patrimônio precisa sair, precisamente para que outros possam permanecer. Assim funciona o cotidiano empresarial. Uma empresa precisa otimizar cada pedaço de si para que possa otimizar-se em seu todo. Parece frio descrever assim, mas não é. É deste modo que empresas funcionam.... Para que continuem a existir.

Descrevendo assim parece que o inevitável comanda tudo, não é? Tinha que ser, simplesmente...

No entanto, a verdade é que não é. Não precisaria ser assim. E, principalmente, não deveria acabar assim.

Não precisa ser inevitável que um colaborador se torne ultrapassado em relação ao que a organização espera dele.

O discurso mais usual, e que vem alimentando polêmicas, discussões e questionamentos políticos é profundamente enraizado: ele diz que existe, na gênese de tudo isso, uma contradição entre aquilo que é a uma empresa e aquilo que é da natureza de um colaborador desta mesma empresa.

A contradição aparente entre a natureza da empresa e aquela do seu colaborador é, aqui sugerimos, precisamente isto que já adjetivamos: aparente.

Em verdade, é recorrente no desenvolvimento da humanidade que aquilo que nós produzimos e denominamos cultura é reflexo, disponibilizado ao coletivo, da própria individualidade humana. Pessoas criam a partir de si mesmos e de seus semelhantes, e não poderia ser diferente quando falamos em organizações. Uma organização, pois, possui características da própria individualidade humana em outra escala:

Uma organização nasce e se desenvolve a partir de boas práticas em sua vida organizacional, assim como as pessoas. Uma organização cresce a partir do desenvolvimento adequado de práticas e a atualização destas mesmas práticas ao longo de sua vida. Uma empresa se reproduz a partir de uma prática eficaz de processos atualizados constantemente em todos os seus “órgãos” e “sistemas”. Uma empresa morre quando não acompanha a evolução do meio em que está inserida, em relação às necessidades e práticas necessárias para atender a este mesmo meio. Ou porque não interessa mais a si mesma manter-se. 

O paralelismo é evidente. Mesmo assim, a relação entre empresa e colaborador não está clara no dia-a-dia, assim como não está clara a percepção minha do que preciso fazer continuamente para manter a saúde dos meus pulmões, por exemplo. Até porque eu preciso me atualizar para saber como devo cuidar deles. A ciência, também reflexo da humanidade que a faz, igualmente refaz continuamente seu juízo acerca de como devemos cuidar de nós mesmos.

A relação entre ambos não está suficientemente clara nem ao colaborador nem à empresa.

Empresas caminham com e através das colaborações que recebem em todos os sentidos e níveis, de modo contínuo e com agilidade mediada por sua própria prática da filosofia empresarial em que caminha. E não se está mencionando aqui sua missão escrita e recitada por todos, até porque para que a empresa caminhe dentro de uma dada visão, esta visão necessita estar em prática de fato. O que, claro, algumas vezes não ocorre. Assim como as pessoas que a criaram, empresas às vezes desdenham de seus cuidados diários, o que pode até mesmo abreviar sua vida.

Mas as empresas estão um passo à frente em relação aos próprios colaboradores na compreensão da relação que possuem com seus membros, porque a pressão externa sofrida a obriga a atualizar-se em todos os aspectos necessários para manter-se e crescer. O mercado é, talvez, ainda mais duro com a empresa do que o meio ambiente com o homem. Cada movimento precisa ser acompanhado, revisto, refeito e traduzir-se num resultado melhor continuamente, em todos os seus “órgãos”, sob pena de que, por estrangulamentos de eficiência ou perda de perspectiva da sua eficácia, a empresa seja levada a situações de risco.

Em função disso, uma empresa bem-sucedida não pode se dar ao luxo de fazer de conta que existe algo imutável no universo.

Empresas de sucesso sabem que só é possível manter seu lugar conquistando novos lugares.

Não conquistar é perder espaço, isto é fato. Em função disto, historicamente o meio empresarial começou discutindo processos como fatos concretos movidos por indivíduos abstratos, substituíveis como peças mecânicas.  Hoje discute processos como ocorrências que necessitam ser o menos voláteis possíveis, mesmo desenvolvidos por pessoas. Ou seja: o reconhecimento da volatilidade do comportamento humano reviu a noção de processos como “fatos concretos”. Somos falhos e carecemos de muitas e muitas coisas, muitas delas não visíveis ou mensuráveis, para que possamos realizar qualquer coisa. Então dependem as organizações de conhecimento cada vez mais vasto de como comportam-se as pessoas. Para que “as coisas funcionem”. E funcionem de modo o mais assertivo possível.

Muitas empresas já atuam com as pessoas ao invés de atuar sobre elas.

No entanto, assim como a maioria das pessoas não cuidam da própria saúde física, também acabam por perder a perspectiva de seu papel na empresa facilmente. Por mais que muitas organizações invistam no desenvolvimento de seus colaboradores, o movimento contraditório de considerar que as coisas são imutáveis, lança pessoas e muitas empresas na inércia. De onde respectivamente caem para o desemprego ou o fechamento de atividades.

É imperioso para a empresa rapidamente compreender como as pessoas que as fazem funcionar, agem.

Mas deveria ser igualmente imperioso ao colaborador compreender como a sua própria empresa funciona e qual o seu papel nela. Antes de qualquer coisa, para que isto possa acontecer, é preciso que o membro de cada empresa procure conhecer a si mesmo.

O que me leva a boicotar a mim mesmo?

 O que me faz agir como se fosse, ao longo do tempo, parte dos tijolos que compõem a parede de minha empresa?

O que me faz supor que farei tudo certo eternamente sem me atualizar?

O que me faz supor que o meu comportamento é mais importante do que como posso contribuir em minha atuação?

Questões viscerais. Em momentos ditos “da verdade”, como em situações macroeconômicas adversas, podemos fazer muito para que realmente estejamos num dos últimos lugares na relação de profissionais a serem demitidos.

Mas até para realizar este “muito”, precisamos nos conhecer melhor. A empresa sabe que precisa saber de mim cada vez mais.

Eu também preciso saber disso. E urgentemente. Porque não há contradição efetiva entre empresas e pessoas. Mas há uma despreocupação desconcertante com a realidade de que não há nada neste mundo imutável. Nada mesmo.

Que tal pensar em tudo isso antes de sair de sua empresa?