O machismo na relação afetiva.
Pertenço à geração X e fui “naturalmente” criado na cultura onde a primazia machista imperava. Na adolescência, me descobri indignado com tamanha desigualdade de tratamento e direitos, com as mulheres, apenas em função da diferença de gênero. É inegável que atualmente o machismo ainda seja perpetuado, inconscientemente, por algumas jovens mulheres que modelam suas mães, sem questionamento. Fato que me motivou a escrever esse artigo.
Presenciei inúmeras cenas, em minha casa, de atitudes machistas entre meus pais. Minha mãe inicialmente reagia submissa, mas com o tempo, ela lutou e mudou a sua realidade. Conquistou direitos e liberdade, com muito diálogo e persistência, ainda casada. A relação culminou com o divórcio após 22 anos de casamento.
Devido à convivência, também modelei meu pai, quando jovem, e agia no automático, reproduzindo atitudes machistas impensadas, em situações semelhantes em minha vida. À medida que amadureci, me sentia mais desconfortável com essa realidade e fui trata-la em terapia, por anos.
O termo machismo
Deriva da palavra macho e, para alguns, é associada a uma masculinidade “dominante”, criando a sensação de superioridade sobre o fêmea, através da diferença sexual e reafirmada pela crença dos “deveres” para com o marido e a família.
Visão perpetuada pela sociedade que definiu o homem como o responsável pelo sustento e proteção da família, cabendo à mulher apenas os deveres femininos: domésticos e maternais, tornando-a submissa, sem voz ativa dentro e fora de casa.
A origem
O patriarcado nos serve de norte para explicar a história e costumes da família brasileira ao longo do tempo. A mulher brasileira foi idealizada, como sendo o sexo belo e frágil e o homem, como o forte e nobre, sobretudo na literatura.
No patriarcado, o masculino é caracterizado pelo poder, autoridade e mando. A família organiza-se ao seu redor, onde a mulher e os filhos se submetem ao seu poder, racionalidade e intelectualidade.
Felizmente a sociedade mudou quando as mulheres passaram a estudar, ter profissão, uma carreira e a se manter. Desenvolveram também, atitude firme com ações assertivas, deixando de ser dependente do homem, financeira e emocionalmente.
Existem relações em que o homem ainda é percebido e tratado como protagonista, por algumas mulheres, que mantém o machismo vivo, por reproduzirem um modelo atitudinal feminino antiquado.
Em 1950 as mulheres seguiam à risca um “manual de comportamento da boa esposa” (https://www.mensagenscomamor.com/praticas-que-constam-no-manual-das-boas-esposas-de-1950), para manter o casamento “harmônico e feliz”. Sendo esse apenas sugerido à mulher, qual deveria apenas pensar no bem-estar do marido, servindo-o o melhor possível.
A relação nesses moldes, mesmo com as conquistas femininas, ainda é algo culturalmente mantido. Venho observando inúmeras relações baseadas na desigualdade, onde o poder masculino é ativo, superior e manda. Penso que num relacionamento onde a mulher não tem voz, espaço, liberdade para existir e expressar seus desejos, ambos não ganham, apenas o homem. Me pergunto, até quando algumas mulheres pensarão, agirão e reproduzirão essa conserva cultural?
Reconhecendo o machismo
O machismo ainda é presente em nossa sociedade, assim, é importante identifica-lo para questionar-se e pensar em si no futuro.
Machista não é só aquele que agride fisicamente uma mulher, ou que, a violenta psicologicamente, para manter a obediência e o seu “poder” sobre a mulher.
O machismo é percebido no cotidiano, através: da louça suja na pia; das roupas na máquina de lavar; do preparo das refeições diárias; das atividades com os filhos; na crença em que a mulher “deve” renunciar os seus sonhos para viver a maternidade. Esses são exemplos da responsabilidade “única” da mulher, enquanto isso, o homem descansa no conforto do sofá!
O machismo sobrevive através das mulheres, que ainda aceitam a anulação social imposta em diversos momentos de sua vida, em nome do “bem-estar” da família.
Entre em contato com sua essência e a valorize, descubra-se! Questione suas crenças inconscientes e disfuncionais, de que você “tem que” garantir ou salvar: o casamento, a qualidade de vida dos filhos, o funcionamento do lar e da família, como sendo sua única responsabilidade e propósito de vida.
O machismo habita qualquer pessoa que ainda pensa que, roupas curtas ou decotes, permitem o abuso e culpem as vítimas dessa violência.
Relações reais
Atualmente, observo e trato as dificuldades que quatro pacientes, mulheres (25 a 35 anos), enfrentam em seus relacionamentos, ao tentarem estabelecer uma relação mais igualitária em direitos, deveres e afazeres domésticos com seus parceiros. Uma delas namora, outra é recém-casada e as outras duas são casadas, há mais de sete anos e com filhos.
Atitudes comuns entre um machista e sua parceira:
ü Age sob crenças antigas, inquestionadas e modeladas do pai;
ü Crença - Ele é o macho alfa! Fêmea alfa é lenda e não existe;
ü É o ponto focal e forte da relação, é ativo e espera passividade da parceira;
ü Ele detém o poder econômico e ela, as habilidades domésticas;
ü Pensa e age como um Rei. Só faz o que quer ou gosta e não o que é preciso para ajudar a parceira no cotidiano;
ü Ele paga as maiores contas e a parceira cuida do lar, alimentação e da família;
ü Tem a visão conveniente e relativa dos direitos, deveres e tarefas entre homem e mulher;
ü Nas tarefas domésticas, tende a não se responsabilizar pelas suas, age passivamente, com má vontade, esperando que a parceira se irrite e faça as dele e, precisa ser cobrado constantemente;
ü É impaciente e intolerante para ouvir a parceira e tem baixa disposição ao diálogo;
ü Tem suas convicções e crê que sempre tem razão e está certo;
ü Ignora a parceira quando se vê sem razão e desqualifica seus argumentos, quando lhe convém;
ü Sua opinião, suas conquistas, seu trabalho e cansaço, são superiores aos de sua parceira;
ü Geralmente, resiste à mudança para estabelecer uma relação igualitária e participativa, por medo de: perder o poder, força e, em alguns casos, afetar sua masculinidade.
Siga em frente para mudar
Ao identificar que seu relacionamento (namoro/casamento) funciona no modelo machista, assuma a responsabilidade, pois ainda, é uma escolha sua mantê-lo, possivelmente, em função de “ganhos” colaterais que acredita ter.
O primeiro passo é decidir-se a mudar. Fato que não é fácil, mas impossível, também não é! A ideia inicial pode ser transformar o modelo machista, onde só o homem é beneficiado, onde os papéis são rígidos e os direitos e deveres são desiguais, em um modelo igualitário, aberto e participativo, onde ambos se beneficiam e ganham qualidade na relação.
Para mudar é necessário muita paciência, persistência e comunicação para virar o jogo. Acredite que você também tem poder e pode transformar sua relação, na qual acredita, em algo melhor, participativo e mais prazeroso.
O diálogo será sua melhor arma e a possibilitará negociar situações e condições específicas, nessa construção alternativa, mais saudável e para crescerem juntos e em parceria.
Alguns casais não conseguem fazer as mudanças necessárias, sozinhos. Vale a pena buscar um terapeuta de casal para auxiliá-los na construção de um novo modelo de relação. Há casos que o homem se posiciona radicalmente contra a mudança do modelo relacional. O que lhe é um direito e, ai cabe a você decidir se segue no atual modelo ou considera a separação como uma opção libertadora para ambos.
Considerações finais
Fomos educados na cultura machista, isso é um fato! Contudo não precisamos perpetuá-la, certo? Questione-se: O que posso fazer para não repetir o modelo machista?
A resposta pode ser simples. Experimente renunciar a competição e as retaliações instaladas na relação e ambos olharem um para o outro com igualdade, respeito e amor por tudo que o outro significa e representa na relação. Acredito ser essa uma forma de transpor barreiras que os separam e os tornam diferentes.
Não importa o gênero, feminino ou masculino, mas sim o humano contido nele e se relacionando bem com o outro. Temos desejos, sonhos, objetivos e sentimentos que podem ser validados e respeitados, ainda que nos exija um esforço diário de ambas às partes. Sempre há saída à nossa disposição, mas a questão reside em escolher o que se quer viver.