Mas, afinal, você fala ou não fala inglês?
Um colega de Recursos Humanos, vendo que o candidato entrevistado derrapava pra explicar se dominava ou não o inglês perdeu assim a paciência. "- Cara, mas afinal você fala ou não fala inglês?"
Quando o assunto é o inglês, entender o que significa o “básico”, “intermediário” e “avançado” (ainda mais se vier acompanhado de I, II e III) é tão surreal quanto à proliferação desenfreada de cursos de idiomas existentes hoje no Brasil. São cerca mais de 6.000 escolas! Mas com tudo isso ainda vejo pairar sobre as cabeças de executivos (nas diversas esferas) o medo do inglês e a dificuldade em aprender. O problema não está na falta de acesso, considerando que a melhoria gradativa da condição de vida, tem permitido que mais pessoas busquem o aprendizado. E, em tempos de pandemia, os cursos virtuais explodiram, tem para todos os gostos. O problema é de base – o nível de inglês do ensino médio é sofrível e o contato que a criançada tem com o idioma (atitude que destrava e desinibe) ou se resume a letras de música ou é nulo. Ou seja, o pouco que se aprende é completamente desconectado da realidade.
Ao longo da vida, experimentei vários cursos, buscando um método que me arrebatasse: professor particular, em sala de aula, curso caro, curso barato (alguns bem ruins), os considerados top, de todo o tipo. O troca-troca de cursos acontecia em função das minhas transferências profissionais, que também foram várias. Numa dessas incursões, lembro que sentei em frente à professora e começamos a conversar. Contei 22 palavras cujo significado ela não conhecia (o inglês dela era mais “básico” que o meu??). Como ela não tinha um dicionário a mão, emprestei o meu e, claro, depois daquele dia não voltei mais. Enfadado das aulas presenciais, testei uma escola virtual. Um site interativo bastante conhecido no qual você é avaliado e colocado em uma turma virtual, com certo número de aulas a cumprir em horários definidos pelo próprio aluno, assim como as provas. É um método que exige autodisciplina. Como era um pacote corporativo, a própria empresa, incomodada com o número de horas que os alunos estavam ocupando com o curso online fora do horário do expediente, encerrou o contrato.
Há vários anos tive a chance de fazer uma imersão em inglês fora do Brasil. Eu estava realmente empenhado na causa, sem travas, então foi ótimo. Aprendi também que uma boa preparação antes da viagem ajuda no aproveitamento. Sempre reforcei esse ponto às pessoas que me perguntam e que desejam estudar fora – “prepare-se antes, você vai se surpreender com seu próprio desempenho. Ainda que tardia e nada barata, todo mundo deveria se permitir uma experiência destas. O dogma mais comum sobre estudar fora é a crença de que, tão logo você “respire o ar estrangeiro”, o idioma de Shakespeare vai baixar, como um download, destravando a língua. Pura fantasia. Imersões são ótimas, mas não fazem milagres. Vivenciar a língua, muito mais do que o estudo formal, serve de desentupidor. É preciso querer muito falar e falar, errado mesmo, mas falar para ser compreendido – como fazem as crianças. Ainda que venha à tona aquele medo de se expor, aquele receio involuntário mostrando as garras novamente. Acredite, sem exposição, não há salvação.
Voltando pro Brasil, resolvi experimentar um novo desafio: ter aulas via Skype com um professor e grande amigo nascido na Nigéria. Darlington me olhou por sobre os óculos, refletiu e, como um gentleman que é, aceitou: “Ouquêi, Dániel, vamos fazer um teste por uns dias, ver onde chegaremos cón isso, yeah.” Veja que estamos falando de 10 anos atrás. Já na segunda aula eu mesmo achava aquilo uma completa loucura. A conexão caía, a imagem congelava e aquela hipótese de que enxergando via webcam ficaria mais interativo mostrou-se um erro. A conexão só ficava estável quando desativava o vídeo. Ficar apenas com a voz em “off” logo se provou uma vantagem. Parece que o ouvido vai se tornando amigo do idioma - relaxei. Em poucos dias percebia que uma ligação vinda de fora deixava de ser aquele tabu, a atenção estava mais aguçada, fui ficando abusado. A pronúncia de um nigeriano é diferente e, via Skype, mais ainda. Isso, por si só, já contribui para o aprendizado. E, em qual curso seria possível aprender com direito a piadas sobre políticos e gargalhadas ao longo da aula?
De lá para cá, a tecnologia deu um salto, vieram plataformas melhores que o Skype e como j[a disse, definitivamente a Covid19 fez com que as web aulas fossem o novo normal, algo que veio para ficar. Mas a urgência e a conectividade parecem não ter ainda eliminado o fantasma de aprender um outro idioma. Continuo vendo coachees se debaterem nesse ponto. Procuram a solução certa na premissa errada – fazem cursos e aulas aos montes para falar inglês, japonês, mandarim, como se fosse uma lobotomia ao contrário. Relato de um amigo que está há anos em um cargo de lideranaça em uma grande empresa: “estudo inglês há 5 anos, mas se um gringo vier em minha direção, me enfio embaixo da mesa”. Precisa dizer mais?
Conheço vários executivos cuja capacidade de mobilização jamais foi afetada pela pronúncia imperfeita. Menos preocupados com a fluência (ou a falta dela), se preocupam em se fazer compreender e por isso, falam e são compreendidos. E estão certíssimos.
Questione-se se o problema realmente está no aprendizado de um idioma ou se tem algo mais, escondido aí dentro. Certas atitudes nem sempre têm a ver com o aprendizado em si e sim com o medo de se expor, de cometer erros, travar ao invés de ser resolutivo, de não saber improvisar bonito numa derrapada, de não saber transformar um limão em uma limonada, insegurança (isso pra ficar em alguns exemplos). Esses fantasmas podem te afastar das boas oportunidades, até em bom português mesmo. Que tal tratá-los de frente e com mesmo afinco com que lida com a possibilidade de um novo idioma? To be or not to be?