História da Pesquisa Clínica – parte II
Continuando a nossa jornada pela História da Pesquisa Clínica no mundo, vamos conversar sobre os acontecimentos “científicos” que ficaram famosos pela falta de ética e respeito ao ser humano. Fatos estes que ocorreram entre os anos de 1947 (com a publicação do Código de Nuremberg) e a Declaração de Helsinque em 1964.
Dentre o mais conhecido “estudo” com a falta de comprometimento da ética e falta de respeito à autonomia do ser humano está o Estudo da Sífilis não tratada de Tuskegee ocorrido de 1932 até 1972. Este experimento foi realizado com 600 homens negros sendo 399 portadores de Sífilis e 201 indivíduos saudáveis. Os homens portadores de sífilis não foram informados de seu diagnóstico sendo informados que tinham uma doença conhecida como “sangue ruim”. Assim, foram acompanhados por 40 anos, recebendo acompanhamento médico, uma alimentação quente no dia da coleta dos exames e despesas do funeral. O objetivo era conhecer o comportamento natural da doença no ser humano. O estudo terminou em 1972 após denúncias de jornalistas sobre o casos. 100 pacientes morreram e houveram ainda casos de transmissões de Sífilis às suas parceiras e casos de sífilis congênitas que pouco foram divulgados aumentando a abrangência de más consequências aos indivíduos.
Citamos também um acontecimento que além do cunho político, envolve o cunho científico: Bomba de Hiroshima de Nagasaki . Que foi considerada um experimento, pois havia a curiosidade de constatação dos efeitos da radiação em seres humanos. Infelizmente o mundo pode ver esses horrores, os quais nem precisam ser aqui citados.
Mas, não somente entre os anos de 1947 e 1964 houveram faltas éticas graves. Mesmo após o Código de Nuremberg, a publicação da Declaração de Helsinque e as questões discutidas em universidades sobre a biotética, barbáries continuaram a ser cometidas. Observem os casos abaixo.
No Hospital Judeu para Doenças Crônicas do Brooklyn em 1966, Langer fez a injeção de células cancerígenas em pacientes já gravemente enfermos. Em 1967 Krugman desenvolveu um estudo na Escola Estatal de Willobrook com crianças com retardo mental, no qual fez a inoculação do vírus da hepatite nestas crianças. Estes são exemplos que demonstram claramente a falta de qualquer tipo de consentimento do pacientes, a falta de respeito a sua autonomia e falta ética grave. Essa é a “descoberta em nome da ciência” que fez sofrer e matou muitas pessoas.
Analisando o que os fatos históricos nos mostram chegamos à conclusão de que não bastou a Declaração de Helsinque para regulamentar a ética. Esta declaração foi elaborada em junho de 1964 durante a 18a Assembleia da Associação Médica Mundial na cidade de Helsinque e defende em primeiro lugar a afirmação de que "o bem estar do ser humano deve ter prioridade sobre os interesses da ciência e da sociedade". E dá importância sobre a necessidade de um consentimento livre firmado entre pesquisadores, pesquisa e os seres humanos. Esta Declaração encontra-se na sua 7a Revisão, sendo que esta foi realizada em 2013 durante a 64a Assembleia da Associação Médica Mundial, em outubro de 2013, na cidade de Fortaleza – CE. O que mostra o importante contexto da Pesquisa no qual o Brasil encontrava-se.
Apesar dos esforços da sociedade de publicações posteriores como ICH-GCP e Documento das Américas, vimos no ano passado, 2018, em pleno século XXI um caso de estremecer os conceitos de bioética.
O cientista He Jiankui da SUS Tech, de Shenzen, admitiu que permitiu o nascimento de gêmeas que tiveram o DNA alterado para deixá-las mais resistentes ao vírus HIV. Além de outros estudos com 8 casais que estavam em andamento. Os estudos geraram discussões éticas importantes sobre a exposição de embriões saudáveis a modificações genéticas. He Jiankui trabalhou até janeiro de 2019 e depois foi desligado após a instauração de um inquérito que questiona a legalidade de seus procedimentos. O estudo nunca foi publicado em revistas científicas, somente lançado por vídeos na internet.
Assim concluímos que a discussão ética é constante e precisa ser vista e revista periodicamente. Apesar de documentos que prezam pela autonomia, consentimento, integridade e respeito ainda vemos a necessidade de vigilâncias e legislações. E então adentramos a formação das agências regulatórias das pesquisas. Mas isso é um assunto para a próxima semana.
Até lá.
Juliana Ap Borges de Oliveira