Toda operação necessita de fornecedores de materiais e serviços para que os produtos sejam processados e vendidos aos consumidores finais.  A administração destes é decisiva para a competitividade da empresa no mercado, além de uma proteção para a marca e portfólio. São utilizadas diferentes estratégias para a seleção, qualificação e monitoramento, sendo que na indústria farmacêutica há exigências específicas em toda a cadeia produtiva, tendo o departamento de qualidade papel decisivo. Neste contexto o profissional da qualidade, além de avaliar os requisitos técnicos, precisa atuar de forma diferenciada na gestão de fornecedores, garantindo sempre os melhores resultados.

Custo total de aquisições

O custo de comprar um material vai além do preço, nele também devem ser inseridos gastos com a administração e a utilização. Este é um conceito importante a ser considerado na gestão de fornecedores, principalmente pensando na administração industrial, pois normalmente as perdas financeiras que níveis de serviço baixo, materiais defeituosos, grandes estoques e risco de estocagem (obsolescência, vencimento, avaria) causam, são maiores que a redução de custo na negociação por preço. Além disso, a proficiência neste conceito aumenta a visão do profissional, permitindo que ele se antecipe e encontre melhorias e inovações na relação de fornecimento.

Classificação de materiais

Segundo o modelo de compras de Kraljic os materiais podem ser classificados em “produtos de alavancagem”, “produtos de rotina”, “produtos estratégicos” e “produtos gargalo”, sendo que estas categorias são obtidas pela relação entre o impacto sobre o resultado financeiro e a incerteza da oferta. Apesar de simples, esta divisão oferece informação de alto valor a todos os profissionais da cadeia de suprimentos, norteando todas as relações de fornecimento. Abaixo é apresentado um detalhamento sobre cada categoria:

Produtos de alavancagem: são produtos com grande impacto no resultado financeiro, porém com fácil fornecimento. Neste a competição por preço e diferenciações no fornecimento são altas, geralmente favorecendo o comprador.

Produtos de estratégicos: são produtos com grande impacto no resultado financeiro e com poucos fornecedores disponíveis (dificuldade de suprimento). Nestes é necessário investir em parcerias e estratégias diferenciadas para garantir o suprimento e custos.

Produtos de rotina: são produtos com baixo impacto no resultado financeiro e com facilidade de fornecimento. Neste a negociação por preço e a redução de custos internos deve ser priorizada.

Produtos gargalos: são produtos com baixo impacto no resultado financeiro, porém com dificuldade de fornecimento. Nestes deve-se investir na busca de opções de fornecimento, na diminuição do risco de ruptura e no aumento do poder de negociação do comprador.

Seleção e qualificação de fornecedores

No processo de seleção de fornecedores, tendo como base o custo total de aquisição e a classificação do material (Kraljiac), o profissional da qualidade deve gerenciar os recursos para atendimento da missão e visão da companhia, garantindo o cumprimento das exigências do mercado farma e reduzindo o risco para o negócio. Neste contexto podem ser utilizadas estratégias de apoio técnico para qualificação inicial (produtos estratégicos ou gargalo) ou avaliação preliminar efetiva para o credenciamento ou não de fornecimento (produtos de alavancagem ou rotina), sendo que sempre deve ser sinalizado para a equipe de seleção o esforço necessário para adequação. Portanto, o profissional tem um papel maior que um simples verificador de requerimentos iniciais, fazendo parte de uma gestão efetiva de fornecedores.

Cada empresa tem um processo definido para a seleção de fornecedores, sendo que geralmente são necessárias informações sobre a necessidade de desenvolvimento do material/fornecedor, custos envolvidos e economia, adequação do material ou serviço a determinada especificação, adequação do fornecedor as normas de boas práticas, segurança do trabalho, meio ambiente, financeiras e de responsabilidade social, assim como as ações regulatórias necessárias (lotes piloto, estudos de estabilidade, comunicações a agencia regulatória do mercado consumidor, etc). No mercado farma, principalmente para materiais utilizados na formulação, este processo costuma ser moroso e depender de aprovação da agencia regulatória, o que reforça a necessidade da excelência na seleção inicial de fornecedores, reduzindo assim riscos e perdas financeiras.

Há também o processo de seleção e qualificação de fornecedores de serviços ou de materiais não produtivos, sendo que a extensão da avaliação dependerá da criticidade e complexidade do item. O que deve ser avaliado varia muito, sendo que o profissional da qualidade deve direcionar com base numa avaliação risco as verificações a serem realizadas para garantir que toda a cadeia produtiva cumpra com as boas práticas do setor farmacêutico. Esta estratégia deve ser devidamente documentada nos procedimentos internos da empresa.

Monitoramento de fornecedores

Após a seleção, deve-se acompanhar minimamente a performance dos fornecedores de materiais produtivos que fazem parte dos produtos, garantindo que eles estão atendendo as necessidades da companhia. Neste monitoramento devem ser considerados itens de suprimento (prazo de atendimento, adequação ao pedido – quantidade / documentação fiscal e sanitária / transporte / horário de entrega, atendimento comercial, etc), de qualidade (adequação a especificações, condições de armazenamento, desvios no fornecimento e em produtos, resultados de auditorias sanitárias e do cliente, comunicação de mudanças/desvios internos, etc) e de produção (performance em máquina, desvios durante a produção, etc).

Normalmente há comitês internos para a inclusão e acompanhamento dos fornecedores, sendo que neste devem estar presentes representantes de todos os departamentos envolvidos. As informações geradas devem ser divulgadas e avaliadas pela alta gerencia, sendo que quando necessário pelo nível executivo. Na opinião do autor este processo deve ser liderado pela área da qualidade e suportado fortemente pela área de supply chain, uma vez que o gestor da qualidade é o responsável por zelar pelo portfólio e a marca da companhia.

Outro item que tem chamado a atenção das indústrias farmacêuticas nos últimos anos é a atuação cada vez mais ativa da ANVISA na inspeção de fornecedores, gerando interdições e proibições de comercialização. Neste cenário, a atuação proativa junto aos fornecedores é decisiva para garantir a conformidade e evitar riscos de desabastecimento, sendo que a indústria está se movimentando para capacitar recursos humanos e criar parcerias mais fortes com fornecedores estratégicos e gargalos.

Fornecedores com bons resultados do monitoramento podem ter tratamento diferenciado com o objetivo de reduzir o custo total de aquisição. As práticas mais comuns de mercado são a utilização de amostras provindas do fornecedor, redução dos testes, utilização de estocagem do material no fornecedor e até a entrada direta na produção. Porém, há regulamentação sobre o assunto, sendo que o profissional da qualidade deve avaliar caso a caso, antes de implementar a melhoria. Comparativamente ao número de empresas no setor, há poucas iniciativas de aproximação e premiação dos fornecedores, o que deixa de gerar a melhoria contínua da cadeia de suprimentos e limita o surgimento de oportunidades para ambos os lados.

Quais indicadores monitorar?

No mínimo deve-se monitorar a aderência ao plano de auditorias, o número de CAPA abertos/fechados/atrasados/prorrogados e o farol de fornecedores.

A aderência ao plano de auditorias deve ser monitorada para garantir que durante o período sejam inspecionados todos os fornecedores previstos para o período. Deve ser monitorado em porcentagem, demonstrando o avanço da atividade.

O monitoramento de CAPA tem sido muito discutido nos últimos anos, principalmente pelo número de não conformidades que o FDA tem dado em inspeções. A administração de CAPA é operacionalmente trabalhosa pois exige constante acompanhamento do status, verificação de evidências de cumprimento e avaliação de efetividade. Além disso, é necessário controlar o número de reagendamentos de prazos e o impacto no sistema de qualidade / produtos.

O farol de fornecedores é um indicador para a alta gerência que gera um resumo dos resultados das auditorias e plano de monitoramento dos fornecedores. A sugestão é que se utilize cores (verde, amarelo e vermelho) para simbolizar o status e que seja estabelecido um critério interno conforme discussão do comitê de fornecedores. Além disso, quando necessário, apresentar a lista dos fornecedores que podem gerar risco ao faturamento ou imagem, juntamente com produtos e problemas recentes.

Autor:

Robson Assis França é farmacêutico Industrial e black belt com MBA em projetos e Master na gestão do supply chain. Atua como gestor da área de Qualidade em indústrias farmacêuticas e é fundador do grupo Farma Info do linkedin.