Farmacovigilância e Marketing: um diálogo possível?
Após o episódio da talidomida na década de 60, medicamentos têm sido lançados com estudos de segurança mais efetivos, mas que no entanto não representam o seu uso no dia a dia. No entanto, criou - se assim a cultura de que medicamentos são sempre seguros. Criado este mito, médicos, imprensa e a população como um todo se surpreendem quando uma droga é retirada do mercado.
Para esta atividade de monitoramento constante da segurança das drogas, temos a Farmacovigilância, que é basicamente a ciência que estuda a segurança das drogas debaixo das condições práticas de uso clínico em grandes populações. A ciência da Farmacovigilância , o monitoramento e a avaliação de itens relacionados à segurança de drogas e sua comunicação de maneira efetiva, é uma atividade de extrema importância e altamente significativa para a segurança e bem estar dos pacientes e saúde pública. A sua importância clínica, a importância para a saúde pública e a importância econômica têm sido demonstradas, mas é necessário um melhor entendimento e apreciação pela mídia e pelo público.
A Farmacovigilância tem como atividades a detecção, avaliação e compreensão de relatos de eventos adversos, permitindo ao final a elaboração de relatórios periódicos de segurança que irão proporcionar o uso racional de medicamentos.
A comunicação desta atividade já existente poderia ser mais bem explorada utilizando as ferramentas do marketing. Entre outras, podemos citar as atividades e processos de criação, comunicação, entrega e troca de ofertas que têm valor para o consumidor, clientes, parceiros e sociedade como um todo.
O marketing ocupa um papel central nas empresas por ser o processo por meio do qual ela cria valor para os clientes que escolheu. Aparentemente, uma atividade sem relação possível com a Farmacovigilância.
Como o marketing já é um meio através do qual a indústria farmacêutica se comunica com o profissional de saúde, médicos e farmacêuticos, com o objetivo de levar a eles uma marca, não seria esta uma oportunidade para também levar informações de Farmacovigilância? Por exemplo, comunicando de maneira efetiva a segurança de um medicamento ou seu uso racional?
Vejamos por exemplo os representantes da indústria farmacêutica. Eles proporcionam aos profissionais de saúde lembrança de marca, seja através do auxílio de brindes ou recursos visuais, mas não é sempre que possuem um conhecimento mais profundo das características de uma determinada molécula, e em especial de questões como as reações adversas. Mesmo moléculas mais antigas apresentam novos eventos adversos e novas interações medicamentosas ou até mesmo alimentares, não descritas anteriormente.
Podemos levar ao médico a cultura de relato de evento adverso, pois pacientes podem considerar reações adversas como “normais”, não relatando os eventos. Após o estudo dos relatos para uma determinada molécula, a Farmacovigilância determina se um evento é ou não esperado, se a molécula mantém o seu perfil de segurança e avalia a sua freqüência.
Através do marketing poderiam ser levadas ao profissional de saúde as informações obtidas pela Farmacovigilância, a compreensão do evento, sua relação entre o evento adverso e a farmacologia, a incidência do evento com e sem medicação, a avaliação e recomendações. Este passaria a ver o medicamento com mais segurança, proporcionando uma orientação de uso mais racional. Para o marketing e conseqüentemente para a indústria farmacêutica, significa agregar valor ao produto que vai além do preço e da marca do medicamento, estabelecendo uma relação transparente e de confiança com o profissional de saúde e consumidor final, o paciente.
O Manifesto de Erice, uma declaração por uma reforma global na segurança de medicamentos no cuidado aos pacientes, especifica desafios tais como o envolvimento ativo dos pacientes e do público no debate sobre riscos e benefícios dos medicamentos, e nas decisões sobre seu próprio tratamento e saúde.
Fala ainda da necessidade da criação de um suporte global, coordenado e com propósito, entre políticos, secretários, cientistas, clínicos, pacientes e público em geral, baseado nos benefícios demonstráveis da Farmacovigilância à Saúde Pública e à segurança dos pacientes.
O marketing tem a oferecer à farmacovigilância principalmente seus atributos de comunicação, e oferecer aos consumidores informações sobre o uso racional de medicamentos, entendendo o consumidor e priorizando as mensagens que devem ser entregues, inclusive desenvolvendo diferentes estratégias quando necessário. A integridade corporativa deve ser estimulada baseada na farmacovigilância e tornar-se parte da marca da empresa, agregando um dos valores mais importantes para a indústria, profissionais de saúde e consumidores: a confiança.
O Marketing tem esta ferramenta em suas mãos hoje, pois ao levar este suporte aos médicos e farmacêuticos, estes podem iniciar de imediato suas ações educativas junto aos pacientes pela relação direta que tem com eles. Como resultado, além dos valores agregados já citados, reafirma-se a segurança e o uso racional dos medicamentos propagados pela indústria, tema extremamente debatido nos dias de hoje.
Por último, recomendo a leitura de excelente publicação de 2004 relativa ao tema:
- Edwards B. Managing the interface with marketing to improve delivery of pharmacovigilance within the pharmaceutical industry. Drug Saf. 2004;27(8):609-17.