Desde os anos 70, Bernard Tapie já atuou como político, cantor, apresentador de TV, jogador de futebol, presidente de times, piloto e empresário. Construiu um império em uma década, comprando empresas em dificuldades financeiras e recuperando-as. Sua carreira contém diversos altos e baixos, sucessos e derrotas, polêmicas e controvérsias, transações monumentais, muita exposição e disputas bilionárias.

 

 

Tapie declarou uma vez que seu trabalho sempre foi o de pegar um negócio que não dá certo e transformá-lo em um empreendimento bem sucedido. Acabou dirigindo o maior conglomerado industrial francês e promovendo algumas das maiores transações de fusão e aquisição de sua época.


Cada negócio em dificuldades tem suas peculiaridades, mas o processo de recuperação financeira e operacional de empresas segue uma lógica comum à maioria deles: estruturar uma equipe para gerir o processo de recuperação; detectar vazamentos, distinguindo os mais graves e urgentes para poder estabilizar a situação; capitalizar o negócio encontrando meios de aumentar resultados e obter capital de investidores ao melhor custo possível; promover as negociações e acordos necessários; corrigir estratégia, aspectos organizacionais e operacionais, assim como o relacionamento com os demais agentes; monitorar os resultados da reestruturação e planejar o futuro do negócio depois de estabilizado. Existem diferentes maneiras de realizar estas tarefas.

 

Assim como acontece com pessoas, no campo dos negócios trabalhar ativamente e no tempo certo para reduzir gorduras das empresas pode evitar que se perca o domínio da situação. Assim como acontece com pessoas, a decisão de trabalhar ativamente pode ser autônoma ou pode ser forçada por uma situação cuja gravidade acaba obrigando a pedir ajuda externa. Nesse último caso, empresas são vendidas e o capital troca de mãos sob condições incertas, o que costuma gerar sofrimento e soluções que nem sempre são boas para todos os envolvidos.

 

 

Bernard Tapie tornou-se empresário em 1977 e desde então passou a adquirir sistematicamente o controle acionário de importantes empresas francesas. Em 1986, publicou um livro ("Gagner", Editions Robert Laffont) que explica seus métodos, princípios e a visão que aplicou na reestruturação bem sucedida de empresas falidas. A esse conjunto de elementos deu o nome de "sistema de recuperação".

 

Parte de sua reputação como empresário deriva de ter adquirido grandes organizações pelo valor simbólico de um franco, nos casos em que as empresas compradas traziam dívidas que superavam o valor de seus ativos, isto é, operavam com patrimônio líquido negativo. Depois de recuperá-las e vendê-las, obtinha ganhos expressivos sem deixar de honrar os compromissos que existiam antes da compra e cujo volume espelhava a situação de ruína financeira. A grandeza das dívidas era a mesma dos desafios.

 

O ato de comprar uma empresa por um franco formalizava a intenção de assumir o controle da organização liberando os antigos proprietários das garantias que haviam dado para as dívidas e também simbolizava a decisão de tomar para si o compromisso irrevogável de pagá-las.

 

As intenções e o sentido do método usado por Tapie não se diferenciam em muito daqueles que costumamos ver em processos de reestruturação; ele porém sempre incorporou características que conferiam inteligência ao planejamento e à execução do processo de recuperação, além de uma filosofia de trabalho que contribuía para a obtenção de bons resultados. Entre essas características, podemos citar as seguintes:

 

Dar um bom motivo para equipe de diagnóstico desejar o sucesso da transição. A equipe de auditagem inicial e diagnóstico é um grupo de colaboradores dotados de diferentes especializações para estudar a empresa. Estes profissionais assumiam a incumbência de mensurar a capacidade de reação do negócio à crise em que estava mergulhado e dizer se ele teria ou não condições de voltar a apresentar um bom desempenho. Cada um desses profissionais se empenhava muito em não se deixar enganar no diagnóstico, porque ele próprio seria incumbido, nos primeiros meses, de 
os setores vinculados a seu campo de competência. Geralmente, uma pessoa era designada para os controles e registros contábeis, outra para assegurar os vínculos de comunicação com a holding do grupo; outra para se responsabilizar pelo marketing e desenvolvimento comercial durante a transição. Cada uma tinha seu interesse pessoal no sucesso da reestruturação.

 

Compreender realmente a empresa por dentro. Trata-se de conhecer sem mediações os aspectos societários, relação entre gerentes e coordenadores, relações de comando e subordinação entre pessoas e entre órgãos, assim como os métodos de trabalho. Saber se as informações circulam bem, se são confiáveis, etc. Outra coisa a fazer na fase inicial era entender como tem se refletido na organização a posição dos sindicatos em relação a ela, para saber se estão inclinados a colaborar com a recuperação ou a agravar conflitos. Essas providências visavam a conhecer a empresa adotando uma visão de dentro.

 

Formar uma opinião prévia antes de ver os relatórios. Trata-se de conhecer o ambiente de operação o suficiente para formar um quadro mental e hipóteses sobre tendências; conhecer a atuação de clientes, fornecedores e concorrentes para ter uma ideia dos problemas enfrentados, antes de poder contar com os resultados dos levantamentos a serem feitos pela equipe de transição. Isto permitirá testar os diagnósticos, encontrar lacunas neles e registrar previamente elementos de maior importância a serem explorados e dúvidas que terão de ser esclarecidas. A intenção era a de não se deixar levar por erros de perspectiva ou desvios de percepção.

 

Separar as pessoas dos papéis. Para designar pessoas competentes em um organograma remodelado, a abordagem dos recursos humanos começa pela construção de fichas de cada gerente, coordenador ou supervisor, abordando elementos como caráter, competências, biografia, situação familiar, idade, origem e formação acadêmica. Ao mesmo tempo, outra equipe desenha um organograma vinculando cada cargo ao respectivo conjunto de especificações. Terminados os trabalhos, e tendo em mãos as fichas das pessoas e dos cargos, são examinadas as possibilidades de combinação. Depois disso, passa-se a ter as fichas de pessoas sem destinação e a lista de postos não ocupados. São então examinadas as condições de aproveitamento, mediante capacitação ou mudança de perfil, das pessoas que ficaram de lado. Finalmente, são afastadas aquelas pessoas que não há como aproveitar.

 

Atuar em dupla na convalescença. Na fase seguinte do processo os executivos-auditores do grupo gestor (aqueles que fizeram o diagnóstico) passam a atuar em conjunto com os recém-empossados e com os que foram confirmados nas funções que antes executavam. A gestão passa a ser feita sob uma ótica de ressurreição e reestruturação. Gradativamente, e à medida que se observam desempenhos de acordo com o esperado, os auditores saem de cena. Permanece na empresa adquirida um executivo  com a responsabilidade geral de adotar a cada mês as providências necessárias para que sejam cumpridos o orçamento e as políticas traçadas. Uma vez recuperado o doente, não necessita mais de tantos médicos.

 

Traçamos aqui rapidamente um quadro com elementos que contribuíram para marcar a abordagem usada por Bernard Tapie como diferenciada e efetiva. Subjacente a eles há uma visão de mundo, das responsabilidades que devem ser assumidas pela pessoa que quer recuperar um negócio e da mentalidade que deve acompanhar os envolvidos no processo. Tal visão é o assunto do segundo e último artigo desta série.

 

PALAVRAS-CHAVE: turnaround management, recuperação financeira, reestruturação.

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Entre equilibristas e levantadores de pesos: notas sobre a visão do investidor

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Controller | Gerente de Planejamento Financeiro (em busca de recolocação)

Um potencial investidor que pense em entrar no mercado sem antes ter atuado nele, ou em ocupar novo território em adição aos que já ocupa, considerará algumas coisas básicas antes de tomar a decisão: por um lado, o dispêndio necessário de energia e recursos para se preparar e promover ajustes; por outro, o valor que terá de investir e o risco associado às opções de investimento que tem diante de si.

Já tendo decidido que tentará ocupar certo território, ele examinará a conveniência de estender organicamente suas ações caso já atue no ramo; ou comparará, entre os players atuantes, as características de cada um: valor, estrutura, condições de operação e potencial de ganho, além do efeito de sinergia que seria consequência da aquisição.

Sendo assim, há certas coisas a ter em mente tanto para quem está na condição de potencial investidor como para organizações que se situam como potenciais investidas. Entre elas, os defeitos críticos; a medida em que problemas do presente afetarão futuramente a posição competitiva; a existência de diferenciais reais em relação aos concorrentes e a capacidade de mantê-los; as condições singulares do investidor que poderão se combinar melhor com uma investida ou com outra; e o equilíbrio entre agilidade e poder de mercado já consolidado.

A situação atual do setor de saúde suplementar nos oferece um bom exemplo da importância desses elementos e das forças ligadas a eles que estão em movimento. Ele tem sido marcado por expressivo movimento de concentração; heterogeneidade, conflitos e assimetria nas relações entre agentes; resultados insatisfatórios; desarticulação; iniciativas voltadas para a instalação de novos modelos de negócio; e a sujeição a mudanças regulatórias importantes. Sob condições assim, o capital troca de mãos por vários motivos; aquisições de negócios envolvendo grandes valores se tornam mais frequentes. Os competidores passam a ter de se posicionar diante das oportunidades de ganho que operações desse tipo podem gerar, e por outro lado têm muitas vezes se defender das ameaças que podem trazer. 

 

Ter defeitos é admissível, mas é bom estar à frente dos outros. Diante da possibilidade de adquirir uma operação, se certa combinação de custo-benefício-risco não parece vantajosa para o investidor, ele procurará outra. Pensará em outra maneira de abordar o mercado por conta própria ou mediante associação com outro player. Para o potencial recebedor de investimento (player já atuante e que aplicaria capital-investimento na atividade produtiva), a perda da preferência de um investidor tem como condição suficiente que outra empresa ofereça melhor combinação de risco e retorno. Para que seja escolhida como objeto de investimento, por outro lado, terá de se situar à frente das organizações que se colocam para o investidor como opções. 

Diante de um player qualquer cuja situação exija investimentos na criação de condições mínimas de governança, o investidor considerará o volume de recursos e de energia necessários, os riscos envolvidos e as chances de ganhos, para estabelecer a viabilidade ou não da decisão de se tornar sócio ou realizar investimentos adicionais. Se aquele volume for grande demais, o investidor considerará se é razoável esperar alterações expressivas e favoráveis nas condições de operação; ou se é o caso de abandonar a atividade; ou se é o caso de aguardar até que as condições mudem, sujeitando-se ao risco de perdas continuadas. Não promover as mudanças internas necessárias e ainda assim permanecer no negócio dependeria de poder contar com alguma alteração favorável nas condições de operação.

As características indesejáveis não são exclusivas. No setor, a obtenção de capital de investimento tem encontrado obstáculo em elementos como os seguintes:

- insuficiente estoque de capacitação (não desenvolveram as competências de gestão necessárias);

- falta de organização (não contam em medida suficiente com profissionais qualificados, organização, controles, processos estruturados e governança corporativa; faltam informações confiáveis para tomada de decisão)

- reduzido domínio da cadeia produtiva (as atividades são marcadas por conflitos com outros agentes e elevados custos de transação);

- incapacidade de promover capacitação (dificuldade em implementar programas internos de capacitação necessários);

- habilidades estratégicas incipientes (são vulneráveis ao ataque de formatos disruptivos que se mostrem comparativamente mais eficientes, à ação convencional de outros agentes ou do Governo);

- posição de mercado fraca (experimentam tendência de redução da parcela dominada de mercado); e

- falta de flexibilidade e capacidade de adaptação (são vulneráveis a mudança nas regras de operação).

 

Os desafios do presente e os do futuro estão imbricados. Dois dos principais desafios que os players do setor têm diante de si são o de obter a melhor gestão possível da eficiência sob condições restritivas; e o de se adequar a mudanças de cenário e nas regras de operação, quando acontecerem. 

Gerir a eficiência ou dar continuidade às operações não é propriamente uma estratégia; situar-se de maneira a facilitar o reposicionamento conforme a necessidade, sim. Ainda que o cenário para os próximos anos ainda seja marcado por elevada incerteza e continuidade da ação de fatores desfavoráveis conhecidos, os players poderão agir de maneira a se fortalecer internamente no que diz respeito a governança, controles e competências.

Se é obrigatório, então não é diferencial nem competitivo. Existe um conjunto de boas práticas, presentes em modelos de qualidade e metodologias normativas que são importantes em si. Têm significado também porque os concorrentes as aplicam e pelos efeitos que produzem neles em termos de aumento de eficiência; o resultado é poder competir a custo mais baixo, com maior mobilidade. Quando o conjunto da empresa funciona melhor e as funções de formulação da estratégia também estão bem resolvidas, a empresa passa a se situar em melhor posição para impor barreiras à entrada de concorrentes, lidar melhor com fornecedores, internalizar processos custosos ou difíceis de conduzir à distância, monitorar melhor as preferências dos clientes, reduzir o poder de barganha dos fornecedores e aproveitar pontos fracos dos concorrentes. 

Afinal, o que querem os investidores? Um potencial investidor que poderia trazer capital e melhorar a taxa de expansão do negócio mediante capital de investimento terá seus padrões de exigência no que diz respeito a qualidade e tipo de informação para tomada de decisão, organização interna, estrutura de retaguarda da organização, estruturação dos processos, competências das pessoas, práticas de governança, etc.

De onde pode vir a solução? Estas questões vão se resolver internamente, ou por intervenção externa. Quando acontece de o negócio ser comprado e incorporado a outro maior, são separadas as funções de formulação (que passa a ser centralizada), a de execução das atividades e a de controle. 

Este é o caminho que seguem empresas cuja atividade obriga a expansão geográfica em territórios heterogêneos em que é preciso preservar e centralizar um conjunto de processos ao mesmo tempo que as funções de execução são feitas à distância. É então preciso construir uma forma de monitorar que seja adequada à diversidade dos ambientes e ao mesmo tempo siga um padrão que torne possível consolidar as informações e tomar decisões. É o que fazem bancos de atuação nacional, grandes redes de fast food, cadeias de lojas de produtos de consumo, etc.  

Se por qualquer motivo a empresa deixa de resolver estas questões ou adia sua resolução, concorrentes poderão encontrar brechas no mercado que são vulnerabilidades para a empresa e como oportunidades para os demais competidores, sob a forma de operação a menor custo, condições de oferecer serviços com menor desconformidade e menor taxa de reclamações, maior capacidade de oferecer produtos sintonizados com nuances qualitativas dos clientes, melhor relacionamento com fornecedores, aproveitamento de uma estrutura própria que seja verticalizada, etc.

Há muito a fazer por enquanto. Sob vigência dos modelos e formato de mercado conhecidos, a solução está em identificar as funções do negócio que exigem melhoria e encontrar meios de aproximar recursos, vontade política, meios de governança e disseminação interna do conhecimento sobre as práticas necessárias. Por vezes a solução está no acesso aos recursos (capital, conhecimento, organização), no arranjo deles, na logística dos processos internos (que vai muito além da questão da distribuição dos produtos) e no equilíbrio entre estes processos.

Os icebergs são visíveis? Os limites mínimos de atuação nem sempre são claros, porque faltam informações, porque o mercado não está a exigir uma performance mais apurada ou porque as preocupações da gestão estão voltadas para aspectos mais imediatos e visíveis do processo administrativo. Uma boa situação de mercado ou a incidência de emergências localizadas podem desviar o foco de temas estruturantes para aspectos que se mostram mais palpáveis. 

Da mesma forma a falta de controles pode obrigar a organização a operar guiando-se por sinalizações mais evidentes de sucesso na atividade. Embora funcionem dentro de certos limites, o uso desses sinais mais óbvios como norteadores geralmente implica sub-otimização nem sempre percebida quando uma correção de rumo ainda é possível.

Choques de gestão não são coisas espontâneas ou naturais. São implementados quando as organizações se veem forçadas a promovê-los, ou quando alguma entidade revestida de poder suficiente impõe uma nova dinâmica.

Quem vai fazer a chuva parar? Futuro fim da fase de retração do mercado contribuirá para o retorno de grupos hoje alijados do serviço, ou seja, clientes que desistiram de ter planos de saúde porque não têm condições de pagar por ele. Por outro lado, haverá também o efeito dos clientes que perderam parte dos benefícios com que antes contavam, porque seus planos sofreram downgrade, isto é, sofreram corte em amplitude, extensão da cobertura ou qualidade.

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UM CHECKLIST PARA DIAGNÓSTICO DE RESTRIÇÕES

(  ) desorganização interna

(  ) ausência de práticas desenvolvidas de governança corporativa

(  ) baixo controle da cadeia produtiva

(  ) dificuldade em gerar informações confiáveis para controle e tomada de decisão

(  ) falta de estruturação dos processos internos

(  ) circunscrição ao nicho geográfico como limitante

(  ) incapacidade de fazer frente a outros modelos

(  ) ausência de estoque interno de competências

(  ) localização como restrição de acesso a fatores recursos humanos, técnicos e acesso a investidores

(  ) dependência de clientela mais sujeita a desemprego

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Governo gera lacunas, lacunas criam demandas. Deficiências e insuficiência dos serviços públicos como segurança, educação e saúde costumam criar espaços significativos para a ação da iniciativa privada. Sob demanda crescente e um conjunto mínimo de condições, certos segmentos deste mercado observaram crescimento expressivo, como tem acontecido com o ensino de idiomas, a oferta de serviços de vigilância e os serviços de saúde suplementar.

O espaço para alianças não cai do céu. Pôr em prática soluções para questões que afetam o conjunto de um sistema depende de que exista um grau mínimo de convergência entre suas partes. Quando essas partes são entes individualizados, trata-se de agentes e eles devem ter interesse comum e alguma capacidade de ação conjunta. Ou são capazes de promover amplos e duradouros acordos de operação, ou necessitam de uma força em separado que seja capaz de coordenar as ações, promover os pactos necessários e, como geralmente acontece, impor obrigações.

Quem vai trazer as alianças? Na área de saúde suplementar, os entes que têm se mostrado capazes de estabelecer métricas, regular mecanismos de incentivo e calibrar a intensidade das relações de oposição entre os agentes têm sido o governo e, dentro de certos limites, entidades associativas. 

Os agentes certamente dispõem de meios e condições mínimas para promover acordos e alianças úteis, mas em termos práticos este ainda é um espaço ainda a ser explorado, se considerarmos o desempenho observado do conjunto até agora. Enquanto vige determinado conjunto formado por estrutura, regras de funcionamento e critérios de alocação de esforços, a ação racional do agente consiste de buscar o melhor benefício possível zelando para que sua posição não se enfraqueça, gerindo a eficiência, controlando as condições de fornecimento tanto quanto possível e fazendo alianças que possam melhorar seu poder de barganha junto a clientes, fornecedores, mediadores e rivais (estes últimos, tanto os existentes quanto os potenciais). Age-se assim até que o atingimento de certo limite do processo sinalize esgotamento do modelo e induza a mudanças que obriguem a operar de outra forma.

Olhando o mapa pelo espelho. Não é incomum que os fatores responsáveis pelo sucesso de uma organização sejam os mesmos que determinam o insucesso dela à medida que as condições de operação se modificam. 

A ausência de certas competências importantes decorre indiretamente da presença de condições favoráveis à acomodação, quando o crescimento se torna possível mesmo em desequilíbrio. Se não são decisivas durante este movimento de ascensão, podem fazer a diferença quando o quadro sofre alteração. Isso acontece porque a própria condição deles se altera, e porque enquanto a empresa era favorecida deixou de desenvolver competências que acabaram se revelando necessárias. 

A presença de certos elementos favoráveis pode operar de modo a mascarar ineficiências, inibir o desenvolvimento que teria sido possível promover, gerar acomodação e resultar em insuficiência da competência mais importante de todas, que é a de se adaptar a um novo contexto.

Capacitação para enfrentar o passado não interessa. Assim como alguns países a presença de condições de operação favoráveis e demanda crescente significou despreparo deterioração de condições materiais e despreparo enquanto outros aproveitaram a situação para promover reformas estruturantes que as qualificaram para enfrentar cenários diferentes, acontece também com as organizações de poder escolher enfrentar os problemas reais e dentro de certos limites criar futuro, ou se deixar levar. Não são fatalidades, e sim consequências. 

É um percurso, é coletivo e é extenso. O sistema demanda agora reformas que resolvam os problemas da incongruência dos mecanismos de incentivos, do crescimento dos custos, da eficiência dos gastos, da redução de desperdícios, das tensões internas entre os agentes e das mudanças demográficas da população assistida. 

Dificilmente esforços baseados na perspectiva individualizada de um agente darão conta desse conjunto de necessidades. Isto posto, é possível que uma outra ótica que possa estar expressa em novas métricas voltadas para a otimização do sistema, e não de uma parte dele, propiciem melhores resultados para o conjunto. 

Conceber e implementar uma visão assim depende de capacidade de coordenação do conjunto e de imposição. Até que isso aconteça, cabe a cada agente evitar ultrapassar os limites de desempenho impostos pela condição microeconômica, ou seja: adotar providências que propiciem condições aceitáveis de governança (boa gestão, estrutura profissionalizada, informações confiáveis e bons controles) e gestão responsável do risco. Se uma reforma bem-sucedida acontecer, estas competências continuarão sendo úteis. Sem elas e sem um vigorosa melhora do ciclo econômico, chova ou faça sol o conjunto não chegará a lugar algum.

Entre equilibristas e levantadores de pesos. O sucesso em determinadas atividades depende mais de leveza, equilíbrio e improvisação do que de outras habilidades; certos esportes, por sua vez, exigem força, musculatura, fôlego e resistência. Embora seja possível combinar algumas dessas características e desenvolver outras, existem limites para os progressos possíveis. Tais limites têm a ver com o histórico de competências já desenvolvidas e o conjunto de atributos e aptidões, que podem contribuir ou não para viabilizar o desempenho futuro. Cada player compete hoje com os predicados que foi capaz de desenvolver.

Os players desse mercado não podem escolher quem serão, ou como serão, seus concorrentes no futuro. Mas podem dedicar esforços a aperfeiçoar sua governança e se fortalecer internamente. O futuro mostrará quais deles conseguirão fazer isso na medida e na direção certas, com os recursos de que dispõem, a capacidade de compreender o contexto à sua volta e o tempo que têm.

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Quando as forças que favorecem uma organização são as mesmas que a prejudicam, é preciso que compreenda o processo pelo qual se dá alteração das circunstâncias e a mudança de direção dos determinantes de desempenho. Sem isso, estará sujeita a forças que contribuem para mascarar o efeito de deficiências. 

Confiar demais nas barreiras à entrada conhecidas e fundamentar o sucesso em condições muito específicas pode significar negligenciar o desenvolvimento de competências que serão necessárias para enfrentar cenários diferentes. Compete aos gestores entender a natureza do processo, distinguir o que é acessório do que é essencial e direcionar energia para o cultivo das habilidades de se adaptar, ser capaz de desenvolver novas competências e reforçar capacidades que serão necessárias sob qualquer condição.

 

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Recomendo a leitura do E-book Uma Saúde a Repensar: dinâmica competitiva e espaços a ocupar no setor de saúde suplementar, escrito por mim recentemente e que reúne textos sobre posicionamento estratégico, tendências e desafios do setor. O arquivo contendo o texto integral do livro pode ser baixado gratuitamente nos links indicados a seguir. Para fazer o download não é necessário fornecer dados pessoais nem senha.

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José Luís Neves é profissional da área de planejamento e finanças. Administrador e economista, tem mestrado em Administração pela USP. Possui mais de 25 anos de experiência em empresas de consultoria e do setor de serviços como gestor de finanças, coordenando processos de controladoria, financeiro e contábil. Reside em São Paulo, SP.

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