Em muitos anos de funções diretivas na Saúde, e mais um tanto em consultoria empresarial de outras áreas, tenho convivido com a questão do relacionamento entre médicos e administração de unidades de saúde. Uma das recordações mais vívidas que guardo foi o primeiro encontro com um médico com  mais de 30 anos prestados a um hospital. Ele perguntou coisas rotineiras sobre mim e eu sobre ele. Ao final, ele perguntou: você sabe que um bom relacionamento conosco reduz seu custo?

Boa questão. Ignorar que o médico é um associado da administração, queira ela ou não, é um perfeito início para fazer, como dirigente hospitalar, quase tudo errado. Eu disse quase porque ainda há a relação com a equipe de enfermagem, a outra parte diretamente vinculada aos cuidados mais intensos ao nosso cliente, o paciente. Há outras responsabilidades ainda, evidentemente. Mas o fato é que não é possível hospital sem médicos, nem ao médico atuar na plenitude de seu desempenho sem uma administração hospitalar afinada com objetivos de qualidade. Isto é  o que  profissionais procuram quando buscam um lugar para atuar. De qualquer categoria profissional, naturalmente.

Mas  afirmei lá em cima que o profissional médico é um associado, independentemente de a administração querer ou não. O médico decide o tratamento. Um tratamento é um conjunto de procedimentos que objetiva recuperar um paciente. A recuperação significa racionalidade de meios, práticas o mais precisas e atentas, e todos os dados que envolvem o tratamento sob a mira da racionalização de custos. A decisão da internação ou não, que medicamentos utilizar, quais os procedimentos recomendáveis e a definição básica da dieta, o tempo total da internação... São muitos itens de custo. Em quase todos, é do médico a palavra final.

Então não é razoável compreender como uma administração pode atuar longe do conjunto de médicos... Mas paradoxalmente  -e por muitas vezes - acontece. Infelizmente nesses casos, os prejuízos em todos os quesitos envolvidos simplesmente desloca o foco do negócio de uma unidade de saúde - atender pessoas -para fora do centro. Por isso é espantoso  visualizar profissionais médicos ou profissionais gestores de saúde que se deixam enredar por teias de diferenças de personalidade... O que os faz esquecer a razão de estarem ali. Qual o foco do negócio?

Todavia, pessoas são diferentes. Isto está claro. Uma unidade de saúde atua com muitos médicos, mas poucos interlocutores de fato para harmonizar esta relação. Os interlocutores estão do outro lado. Na administração. Eu disse "lado". E quando eu disse esta palavrinha desloquei de novo o foco do negócio do centro... Hummm...

Há poucos administradores para muitos médicos em qualquer unidade de saúde. Então é claro que cabe ao administrador aproximar-se das lideranças profissionais instituídas e não instituídas. Os formadores de opinião, os influenciadores. Aqueles que estão preocupados com a imensa responsabilidade direta que possuem. Se eles acertam, parabéns. Se médicos erram... Um paciente corre risco de vida. Perde-se o paciente. Tristeza imensa. Além do fracasso psicológico - de toda a instituição - em acertar no foco de seu negócio, há: processos, divulgação na mídia... Mesmo assim, muitos gestores administrativos de saúde se esquecem da corresponsabilidade entre profissionais e instituição. Parece até que estamos aqui favorecendo um "lado" na discussão (olha o foco do negócio!!!). Mas não. As características de cada função definem o modus operandi de cada profissional. Não é?

O profissional médico é mais um dos profissionais mal pagos de nosso país. Passa a maior parte da vida profissional virando noites e dias insones, atendendo um número exorbitante de pessoas, bem além do que preconiza a OMS. Pula de instituição em instituição ao longo de cada dia, quase sempre, para poder dar conta de suas responsabilidades pessoais. Eles não são os únicos a fazer isso. Outras categorias na área hospitalar (vide enfermagem...) também o fazem.

Mas eles definem o custo e contam com um profissional de gestão que valorize a escuta de suas dificuldades. O profissional médico necessita ser levado tão a sério como qualquer outro. Mas lembremos do seguinte:

O profissional médico define o custo praticamente sobre a administração. Então suas queixas possuem diversas vertentes lógicas. Porque existe uma vinculação direta entre o objetivo, o foco central do negócio, e a atuação do profissional médico e aquele da administração hospitalar. Não podem ser atuações paralelas. É vital para qualquer negócio de saúde que sejam conjuntas, entrosadas, assumidamente vinculadas. Propostas técnicas promovem cura mas podem parecer "gastos desnecessários" para o administrador. Reduções de despesas podem parecer ao médico "desumanidade" da administração.

Então não há saída senão... O diálogo. Diálogo este que comece de um mútuo olhar despido de arrogância, de desinteresse, de predisposições baseadas em experiências anteriores. Porque o foco do negócio é  atender o paciente com a melhor coerência entre racionalidade de custos, práticas que efetivem a cura e a busca de aperfeiçoamento constante para melhorar as práticas e racionalizar os custos provenientes dela.

Mas o gestor precisa compreender que cada passo seu provoca efeitos sobre muitos, dentro de cada negócio que ele administra. E esses efeitos precisam ser os mais diretamente saudáveis para o foco do negócio. Então é ele , que fica mais tempo na unidade de saúde e vê sistemicamente a situação, quem tem melhores condições de dar o primeiro passo para estreitar esses laços. Laços entre sócios, na verdade. Em nome do foco. Sempre.