11 Lições de Antônio Delfim Netto, professor de liderança
Ele tem 87 anos. Foi Ministro da Fazenda, embaixador na França e Ministro da Agricultura e do Planejamento, além de deputado federal. Foi representante do Brasil no FMI e no Banco Mundial. Participou da direção do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). É economista e professor emérito da Faculdade de Economia da USP.
Delfim Netto costuma comentar com frequência temas ligados à liderança. Suas observações são marcadas pelo discernimento, pela clareza e pelo compromisso com a realidade. Ao conhecê-las, percebemos que podem ser aplicadas a outros campos de atividade além do político. Algumas dessas observações, extraídas de entrevistas e declarações públicas, são apresentados a seguir.
1. Bons líderes assumem posição de protagonismo.
Um líder bom assume seu posto e seu papel, pois sabe que não fazê-lo significa perturbação da ordem e maiores dificuldades para seus liderados. Eles não terceirizam a atividade de liderar nem se esquivam de sua missão. Assumem suas responsabilidades. Sabem criar caminhos quando eles não existem, explorar rotas conhecidas quando elas são adequadas e conhecem as trilhas que não se deve seguir. Sabem o que significa deixar de agir quando necessário. Um líder que fuja a suas responsabilidades não é apenas fraco; ele põe a perder conquistas do passado e gera perdas e sofrimento desnecessários. Se não se sente capaz de assumir o papel de protagonista, por que aceitou o papel de liderança?
2. Bons líderes são capazes de entender aquilo que acontece à sua volta.
Eles sabem que compreender uma situação antes dos outros não é um luxo nem uma opção. É algo necessário para que possam tomar decisões corretas no tempo devido, sem se deixar levar por interesses tendenciosos ou visões superficiais dos fatos. Espera-se do líder o discernimento, a antecipação e a velocidade de percepção que os situam um patamar à frente dos liderados. Na falta disso, os líderes são conduzidos ao invés de conduzirem. Não são líderes de verdade.
3. Bons líderes não fazem o trabalho de seus subordinados.
Imagine que você trabalha com diversos subordinados diretos em quem não confia muito e resolve realizar o trabalho deles, ao invés de coordenar suas ações. Seu dia precisaria ter mais de 200 horas. Ser detalhista demais e confiar de menos nos subordinados às vezes obriga quem está em posição de liderança a deixar de exercer seu papel, para exercer mal o papel dos outros. Estes se ressentiriam da falta de alguém para liderar, dando orientações e direção; você se ressentiria da dificuldade do desafio; ambos se ressentiriam da má qualidade do resultado final.
4. Bons líderes não hipotecam o futuro.
Eles sabem que não estão em um concurso permanente de popularidade e que remédios amargos têm às vezes de serem prescritos. Evitam distribuir benesses e privilégios hoje que possam custar caro amanhã, e que possam impedir ou dificultar ações futuras. Sabem trabalhar com o conceito deconsistência dinâmica: sequências de ações e escolhas devem ser coerentes, para que não comprometam nem inviabilizem ações e escolhas posteriores.
5. Bons líderes reconhecem seus erros.
Eles sabem que mudar de atitude e ter determinação não bastam. Devem deixar claro quando ações adotadas dão errado, quando previsões não se concretizam e quando as providências conduzem o barco para uma rota distante da desejada. Bons líderes sabem explicar a necessidade de medidas difíceis e conseguem fazer isso porque criaram um capital de confiança. Bons líderes são respeitados. Às vezes os ventos mudam e as condições esperadas são diferentes das reais. Para quem sabe o que faz, explicações razoáveis são esperadas e ajudam a criar um clima de confiança; para quem não sabe, é impossível explicar qualquer coisa.
6. Bons líderes despertam segurança.
Eles desenvolvem com os liderados uma relação de confiança, necessária para receber apoio dos liderados quando necessitam dele. Isso significa não enganar, não disfarçar, não esconder, reconhecer erros e mostrar que se sabe o que está fazendo. Além disso, ao anunciar decisões é preciso fazê-lo de maneira a mostrar que se é merecedor de expectativas favoráveis. Criar esperanças que não se concretizam é algo que dificilmente funciona a longo prazo. Se o líder não sabe para onde vai, fica difícil acreditar nele; estará apenas ocupando o lugar de alguém mais talhado do que ele para o papel. Fraudes e truques não ajudam a preservar a imagem nem a obter bons resultados a longo prazo. Um líder pode preferir agir de maneira amoral, por motivos de conveniência e interesse. Mas não poderá reclamar quando as pessoas perceberem.
7. Bons líderes seguem o plano de ação que fizeram.
Eles sabem o que estão fazendo. Bons líderes são capazes de formular uma boa estratégia e confiam nela o suficiente para segui-la com firmeza. Podem promover ajustes na trajetória, mas sabem que guinadas em relação ao que propuseram significam merecido desgaste da imagem e perda de confiança. Quem confia nos planos que fez não tem motivos para não os seguir. Quem sabe qual é a direção correta a seguir e respeita a realidade não tem por que elaborar planos que não funcionam.
8. Bons líderes não colocam suas crenças e vontades acima da realidade.
Eles não brigam com os fatos. Não esperam que seus anseios bastem para mudar a realidade, e não se cercam de pessoas dispostas a concordar sem questionar. Preferem que lhes digam a verdade sobre o que acontece, ao invés de ouvir relatos edulcorados. Aceitam o fato de que existem restrições físicas para a tomada de decisões, e que ignorá-las piora situações e torna irreversíveis problemas que teriam sido resolvidos se houvessem recebido tratamento antes. Sabem que criar condições artificiais para atender seus interesses sujeita o criador à vingança da realidade. Não se escondem dos problemas. São honestos consigo mesmos quando se trata de fazer a coisa certa: Delfim Netto costuma citar o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), segundo o qual “as piores mentiras são as que contamos para nós mesmos."
9. Bons líderes não ignoram restrições relevantes.
Eles têm consciência dos limites dos processos e sabem ponderar as consequências de suas ações e decisões. Sabem que o sucesso obtido no passado com certas práticas pode não se repetir sob circunstâncias diferentes. Além disso, sabem que o remédio aplicado uma segunda vez no mesmo paciente reagirá com os efeitos da aplicação anterior, o que pode eventualmente prejudicar mais do que ajudar. Um provérbio latino antigo sobre remédios dizia: "Primum non nocere" (primeiro de tudo, não fazer mal). Saber a forma e o momento de agir para evitar maiores danos é uma das coisas que se esperam do líder.
10. Bons líderes sabem combinar habilidade política com a necessidade de se impor.
Eles sabem negociar e formar alianças sustentáveis e conhecem o perigo de formar alianças que não se sustentam; e também sabem quando estão em posição de fazer exigências e cobranças. Sabem que parte de seu sucesso depende de manter boas relações com pessoas e grupos dotados de influência, e conduzem as ligações de forma a evitar que passem da condição de escora à de ameaça. Sabem que não adianta saber fazer bons diagnósticosquando não se tem poder. Conhecem as consequências de formar alianças penosas para viabilizar o exercício do poder e entendem a fragilidade das uniões baseadas em interesses que serão incapazes de atender, especialmente nos momentos de dificuldade.
11. Bons líderes não se deixam cegar pelo amor ao poder.
Eles sabem que o axioma segundo o qual o primeiro dever do poder é continuar como tal depende da criação e da manutenção de condições propícias. Sabem que mesmo posições de dominância ou hegemonia têm suas brechas e a preservação delas requer esforços e cuidados que vão além da simples vontade e da determinação. Sabem que não é o amor aos fins torna justificáveis os meios empregados e que, pelo contrário, preservar certas conquistas depende de escolher os meios adequados aos fins que se pretende alcançar.
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Sugiro a você que escolha ao acaso uma entrevista concedida por Delfim Netto, seja ela recente ou não. São grandes as chances de encontrar lá ensinamentos úteis sobre a administração de mudanças, recomendações sobre o papel a assumir na condução delas e lições sobre como lidar com correlações de forças, escolhas difíceis e relações de causa e efeito.
Ainda que você não concorde com Delfim Netto, não o admire ou não goste da forma pela qual aborda certas questões; ainda que não compartilhe de sua visão de mundo e possua outros valores; ainda que discorde de decisões que ele tomou como político, técnico ou conselheiro, ainda assim poderá refletir honestamente sobre a razoabilidade de seus argumentos e a sensatez que está presente em suas análises e recomendações.
O tempo ajuda a distinguir as pessoas que têm bom senso. Lamentavelmente o tempo é também implacável e muitas vezes a distinção só acontece quando já não é mais útil. De qualquer forma, o teste da realidade faz bem a biografias, a prognósticos e a declarações públicas. É o mais justo, democrático e imparcial entre os testes de ideias que podem ser feitos.
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José Luís Neves trabalha na área de controladoria e planejamento. Economista e administrador com mestrado em Administração, possui mais de 25 anos de experiência em empresas de consultoria e serviços, onde tem sido responsável por atividades de gestão financeira, orçamentação, contabilidade e custos. Reside em São Paulo (SP).
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