Encarar a doença de frente e ter acompanhamento psicológico é importante para quem faz tratamento contra o câncer. Muitas vezes ainda considerada um tabu -- apesar dos avanços da medicina --, a doença exige esforço do paciente, familiares e amigos em busca da cura. Por isso, falar sobre ela e contar com o devido apoio é fundamental. "Quando você fala para os outros, diminui a angústia. É necessário falar. A gente tem medo do desconhecido, mas quando conhece, começa a perder o medo", destaca a psicóloga clínica e psico-oncologista Elisa Neiva Vieira.
E foi com o objetivo de proporcionar a pacientes a chance de falar abertamente sobre o câncer que surgiu o aplicativo Kimeo. Desenvolvido por uma startup, em parceria com o Instituto Vencer o Câncer, ele funciona como uma rede social, tem acesso gratuito e oferece conteúdo específico sobre a doença, além da possibilidade de interação entre pacientes, familiares, amigos e médicos
Disponível tanto para Android quanto para iOS, o Kimeo já conta com mais de 1 mil usuários cadastrados. A ideia dos desenvolvedores, Gustavo Henrique Silva e George Nastas -- que iniciaram o trabalho há um ano --, é proporcionar um espaço em que os pacientes possam falar abertamente do assunto, discutir as próprias angústias e vitórias e ter acesso a conteúdo de qualidade. "Queremos propor temas positivos de combate à doença, de apoio e relacionamento", diz Gustavo, que apresentou o aplicativo na semana passada às participantes da Liga Sorocabana de Combate ao Câncer.
A troca de experiências, um chamariz do Kimeo, é algo importante para quem luta contra a doença. "Ter câncer não significa sofrer exclusão", lembra a psicóloga, que diariamente vê pacientes evoluindo no aspecto emocional, o que ajuda no tratamento físico. "Falar é importante a todo momento. Quando você fala, ajuda a se curar e a curar outras pessoas, porque incentiva o diagnóstico precoce. E quem está do lado começa a se solidarizar, tentar ajudar, ficar mais próximo", completa.
"Me ajudou"
O enfrentamento ao câncer é notório no Kimeo, assim como a ajuda mútua. Na inevitável comparação com o Facebook, o botão "curtir" é substituído pelo "me ajudou". São ajudas como a de um usuário, que recomendou "amor" à pergunta feita pela familiar de uma paciente, que questionava a melhor maneira de auxiliar a parente.
Todo o conteúdo fica disponível na timeline do usuário, que tem à sua disposição vídeos, textos e acesso a outros participantes do aplicativo -- todos devidamente identificados, como pacientes, amigos ou profissionais de saúde, por exemplo. "Colocamos conteúdo direcionado para a qualidade de vida, coisas que você não acha na internet. São textos que ajudam o paciente no engajamento ao tratamento", comenta George.
Além da timeline tradicional, o usuário também pode usar a aba Diário, espaço para desabafar ou contar como vem se sentindo no dia. "É um ganho muito grande para os pacientes, uma forma de eles aprenderem muita coisa", ressalta a mastologista Alice Francisco, parceira da Liga Sorocabana.
Na própria entidade, a novidade foi bem recebida. A presidente Márcia Cristina Rodrigues lembra que a Liga trabalha para dar o maior suporte possível a quem está se tratando contra o câncer. "As pessoas precisam se mostrar, para que possam entender, e não ter vergonha ou medo de enfrentar a doença", afirma.
A própria Márcia já viu muitos casos de pessoas que tiveram a cura dificultada pela dificuldade dos pacientes falarem sobre o tema. Ela relata casos até de gente que esconde a doença por vergonha. "O apoio da família e dos amigos é muito importante para a recuperação. Nessa hora, o que conta é o carinho, a amizade, a consideração das pessoas", diz.
Distribuindo carinho
E carinho não precisa, necessariamente, ser presencial. Neste mundo moderno, até mesmo um ambiente virtual, como do aplicativo, pode ser útil. "Fica até mais fácil, pois as pessoas se abrem mais, veem depoimentos dos outros e sugestões de como agir", ressalta a presidente.
Quem já passou pelo problema sabe bem como o apoio externo pode ser fundamental na busca pela cura. É o caso da analista de sistemas Alessandra Cabral da Silva, 36 anos, que há um ano e oito meses encerrou com sucesso o tratamento -- que durou um ano -- contra o câncer de mama. Agora curada, ela procura oferecer aos outros o mesmo auxílio que a confortava nos momentos difíceis. "O que me ajudava muito era saber que alguém tinha passado por aquilo e estava bem", relata.
Até por isso, Alessandra foi uma das primeiras sorocabanas a criar um perfil no Kimeo. Embora se considere uma pessoa de pouca exposição nas redes sociais, ela pretende usar a nova ferramenta para colaborar com os pacientes -- algo que, conta, já faz periodicamente, por outros meios, desde que encerrou o tratamento. "Vou passar para a frente a experiência que me ajudou e, assim, ajudar quem está passando por isso. Eu quero muito, sempre quis, que nunca mais ninguém passasse por isso", diz.