Durante passagem pelo Reino Unido para participar de um ciclo de palestras, o médico Drauzio Varella declarou à BBC Brasil que o Sistema Único de Saúde (SUS) não deveria ser usufruído por pessoas ricas. “Acho que, num país com a desigualdade do Brasil, temos uma parte da população com condições econômicas bastante favoráveis que não deveria usar o SUS.” E completou: “Deveria deixá-lo para quem não tem alternativa, para quem se trata pelo SUS ou não se trata em lugar algum”.
Drauzio também também expôs sua opinião sobre a intervenção política no Ministério da Saúde. “Você sabe quantos ministros da Saúde o Brasil teve de 2000 a 2018? Doze. Nos últimos cinco anos, foram seis. A média de permanência no cargo foi de dez meses. Outro problema é que no Brasil temos milhares de cargos de confiança, trocamos os diretores de hospitais pelo país inteiro, trocamos os chefes de autarquias (…), a cada dez meses os processos são desestruturados. Isso ocorre em todas as esferas: federal, estadual e municipal. Como você consegue organizar uma empresa, qualquer uma, se a cada dez meses todos os diretores e gerentes são trocados?”, questionou.
Na entrevista, Varella ainda contou sua experiência nos presídios brasileiros, nos quais é voluntário há décadas. O médico falou também sobre temas polêmicos, como aborto, homossexualidade, descriminalização das drogas e o papel da fé no processo de cura.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Quando o assunto são os problemas da saúde pública do Brasil, Drauzio Varella tem muitas críticas e sugestões. “Outro problema é que no Brasil temos milhares de cargos de confiança, trocamos os diretores de hospitais pelo país inteiro, trocamos os chefes de autarquias (…) a cada dez meses os processos são desestruturados. Isso ocorre em todas as esferas: federal, estadual e municipal. Como você consegue organizar uma empresa, qualquer uma, se a cada dez meses todos os diretores e gerentes são trocados?”, comentou. Além disso, ele mencionou que o SUS se beneficiaria muito se os recursos públicos voltados para esse fim fossem mais bem aproveitados, com melhor organização a nível municipal, estadual e até federal, com um gerenciamento mais eficiente do que o Brasil tem hoje.
Quando perguntado sobre o que faria se fosse ministro da Saúde, Varella disse se julgar incapaz de trabalhar com a administração pública já que não tem conhecimento suficiente para isso. Ele também criticou o fato de que o atual ministro da Saúde pertence a um partido que já foi citado na Operação Lava Jato. Ele disse ainda que o ministro tem de ser uma pessoa de liderança, capaz de ouvir os técnicos de saúde e que “tenha ideias do que fazer para enfrentar esse enorme desafio” que é o sistema público de saúde brasileiro.
Em assuntos mais polêmicos, o médico não evitou dar opiniões firmes. “Sou a favor da descriminalização sempre. O usuário não pode ser criminalizado. Isso é uma questão de saúde”, comentou. Para ele, os usuários não devem ser criminalizados, eles devem ser ajudados porque a dependência está associada a fatores biológicos, genéticos, comportamentais e sociais. Varella acredita que é a proibição da venda legal que alimenta o tráfico, mas antes de acontecer a legalização é necessário uma preparação educacional dentro de casa e nas escolas.
Com uma PEC (proposta de emenda constitucional) que pretende proibir o aborto em circunstâncias legais, como feto anencéfalo, quando há risco de morte para a mulher por causa da gravidez ou em casos de estupro, o médico não poderia deixar de falar sobre a questão. “O Congresso Nacional é formado basicamente por homens. Gravidez é um processo feminino. Puramente feminino. O nosso papel como homens é irrelevante”, disse. Além disso, Varella disse que grande parte das mulheres é contra o aborto, especialmente aquelas que fizeram, mas as circunstâncias econômicas, sociais ou psicológicas as forçam a fazer essa escolha. Segundo ele, as mulheres pobres e negras pobres são as que mais sofrem porque fazem o aborto em condições inseguras.
“Bandido bom é bandido morto”. Não para Drauzio Varella, que já escreveu três livros sobre o tema, incluindo o best-seller Carandiru, que virou filme.
“Quem pensa assim pertence a uma de duas classes. Primeiro, a classe das pessoas que têm o que perder. Ou seja, ‘não quero ser assaltado, não quero que estuprem a minha filha, então mata esses caras, tira eles do caminho’. É uma filosofia. Os outros são os que estão lá embaixo na rede social”, afirmou. De acordo com ele o sistema prisional brasileiro precisa ser repensado, principalmente porque a maioria das pessoas, quando sai da cadeia, volta mais preparada para o crime porque entra em contato com presos que participam de facções criminosas e têm muita experiência no crime. Drauzio disse que a violência é muito maior contra os pobres, mas as classes média e alta são as que mais ganham visibilidade quando um crime acontece.
Há algum tempo um vídeo de Drauzio Varella falando sobre a comunidade LGBT viralizou na internet. No vídeo, ele questiona por que a vida sexual do vizinho incomoda tanto. “O que você tem a ver com a vida dos outros? Duas pessoas se amam, são do mesmo sexo, qual é o problema? O que isso me atinge?”. Ele comentou que a sexualidade se impõe sobre os indivíduos, mas que a condição sexual de uma pessoa não deve ser imposta a outra porque você não gosta da opção que o corpo dela fez.
Quando perguntado sobre sua maior frustração como médico, Varella disse que os primeiros erros que cometeu no decorrer da profissão entram nessa categoria. “Eu, felizmente, não cometi erros graves, que colocassem a vida dos outros em risco, mas às vezes tomei decisões que não foram as mais acertadas naquele momento”, revelou.
Ele ainda recomendou que os recém-formados repensem a escolha profissional, especialmente aqueles que não gostam de estudar. Para o médico, medicina é para quem gosta de estudar e tem prazer em se dedicar à profissão.
Ateu assumido, Drauzio Varella não acredita no poder da cura, ele acredita no poder da medicina. Para ele, a cura vem com o tratamento, mas as pessoas sentem necessidade de explicar os fenômenos sobrenaturais que ocorrem e a explicação mais lógica é Deus. “Prender-se a essas explicações miraculosas é um empobrecimento da condição humana”, disse. Segundo ele, qualquer médico detesta ouvir o ‘graças a Deus’ porque quem diz isso ignora a participação e todo o trabalho que o profissional teve no decorrer do tratamento, por exemplo.