Maior preocupação dos eleitores brasileiros, segundo pesquisa encomendada pelo Correio, e tema mencionado, inevitavelmente, em discursos políticos, ainda mais em época de eleição, a saúde no país sofre de dois principais problemas: má distribuição de recursos e gestão precária. Embora a maior parte dos especialistas ouvidos pela reportagem concordem que mais recursos na área seriam muito bem-vindos e poderiam ajudar a resolver boa parte dos obstáculos enfrentados pelos brasileiros no dia a dia, o grande gargalo é a ineficiência dos gastos no setor. Por mais que haja orçamento, o dinheiro costuma ser mal aplicado.
A avaliação é confirmada por estudos de diversos órgãos, como o Banco Mundial, que apontou ser possível a prestação do mesmo nível de serviços de saúde usando 34% menos recursos do que o que foi empregado nos últimos anos. Em relatório publicado em novembro de 2017, a entidade concluiu que o país poderia economizar aproximadamente R$ 22 bilhões no Sistema Único de Saúde (SUS), sem nenhum prejuízo ao nível dos serviços prestados ou aos resultados — R$ 9,3 bilhões com saúde primária e R$ 12,7 bilhões, em serviços hospitalares.
O financiamento do sistema ainda é um dos grandes problemas do SUS, mas não é o único, destaca o especialista em gestão pública e gestão governamental Edvaldo Batista de Sá, coordenador da área de saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Um ponto não pode ser dissociado do outro”, diz. Ele acredita que o SUS pode usar melhor os recursos disponíveis, “principalmente por meio de melhorias de gestão”. O problema, segundo Batista de Sá, é que essas melhorias, em um sistema tão complexo como o brasileiro, não são triviais e geralmente requerem mais gastos, ao menos no presente — o que fica difícil diante das limitações orçamentárias impostas pelo teto de gastos, aprovado no ano passado.
Comparação
As despesas com saúde representam, hoje, 9,5% do Produto Interno Bruto (PIB) — soma de todas as riquezas produzidas pelo país —, segundo relatório divulgado em 2017 pelo Instituto Coalizão Saúde, com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A média é mais alta que os 9% da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo dos países mais desenvolvidos do mundo, e próxima a de países como o Reino Unido (9,1%), cujo sistema de saúde serviu como exemplo para a criação do SUS.
Mas, quando esse gasto é dividido por habitante, os brasileiros saem perdendo, mostra o mesmo levantamento. A despesa per capita em saúde, no Brasil, é de US$ 947 por ano (o equivalente a R$ 3.934,98, pelo câmbio atual), enquanto o Reino Unido dedica US$ 3.935 (R$ 16.154,75). “Dizer que a dificuldade é apenas de gestão é errado. Esse é, de fato, um obstáculo no país, mas também falta dinheiro, sim, se compararmos com outros sistemas universais. Mesmo que a porcentagem do PIB voltada à saúde seja relativamente alta, gastamos menos por habitante”, reforça o professor Walter Cintra, coordenador do curso de especialização em saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Apesar de o sistema brasileiro ser de cobertura universal, a parcela pública do gasto — ou seja, que vem do governo — fica em torno de 45%. O resto é bancado de forma privada, por cidadãos e empresas. Nos países da OCDE, por exemplo, o governo arca, em média, com 70% do total.
Cenário pior
A questão do financiamento também preocupa por questões naturais. O cenário que o próximo governo enfrentará é de uma população mais envelhecida, o que aumenta a necessidade de gastos em saúde, e que tem lidado com doenças mais complexas. Levando em conta essa situação, a professora Kênia Lara Silva, do Departamento de Enfermagem Aplicada (ENA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que o investimento atual não é suficiente para a grande demanda que o serviço enfrenta. “A população não só envelheceu, mas teve complexificação dos problemas de saúde. Mais infartos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), doenças respiratórias crônicas, em diferentes faixas etárias”, pontua.
“Nossas soluções, hoje, são ineficientes e inadequadas. Em vez de resolver, causam mais prejuízos”, afirma. Diante do cenário preocupante, ela alerta que é preciso tomar cuidado com discursos de candidatos que prometem aumentar o gasto em saúde, sem explicar de onde vão tirar mais dinheiro. “É preciso ver o conjunto das propostas. Fazer promessa de aumentar gasto e não especificar a fonte é mais do mesmo, é o que sempre fazem”, destaca a especialista da UFMG. Especialmente, reforça ela, diante de políticas restritivas, como o teto de gastos. “Não existe avanço nas condições de saúde com as atuais medidas de austeridade. Qualquer candidato que queira melhorar o quadro precisará rever a questão de quanto e como se investe hoje no setor”, avalia.
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Dinheiro desperdiçado
Com os recursos atualmente investidos, é possível fazer mais do que é colocado em prática hoje, garante estudo do Banco Mundial, divulgado em novembro de 2017. Com políticas mais eficientes, é possível melhorar o atendimento à população — principal queixa das pessoas, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) —, ainda com o orçamento apertado. A eficiência média dos serviços primários de saúde é estimada pelo Banco Mundial em 63%, e, para atendimento hospitalar, é pior: de 29%. “Isso significa que há escopo para melhorar consideravelmente a prestação de serviços utilizando o mesmo nível de recursos”, explica a entidade, no relatório. Os serviços ambulatoriais poderiam crescer até 140% com a eficiência.
Esse é um dos maiores desafios não só do próximo presidente, mas dos que se seguirem, já que outro problema recorrente, em vários setores, é a falta de continuidade nos programas. Isso leva a problemas, como o fato de que 145 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estão prontas, mas não funcionam. O governo federal investiu R$ 268 milhões nessas unidades, que sequer têm previsão de inauguração. Em geral, os municípios não colocam equipes por falta de dinheiro ou de planejamento. Para o professor Walter Cintra, coordenador do curso de especialização em saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), a situação mostra que é preciso garantir uma ação conjunta entre os entes (União, estados e municípios) para garantir que o prédio não apenas será construído, mas vai funcionar.
Força-tarefa
A maior parte da ineficiência é motivada pelo grande número de pequenos hospitais, que comportam menos de 100 leitos, explica o Banco Mundial: 61% dos hospitais brasileiros possuem menos de 50 leitos, bem menos que o tamanho ideal estimado para obter economias de escala, de 150 a 200. As taxas de ocupação dos leitos também são muito baixas: em média, 45% nos hospitais do SUS. A média da OCDE é de 71%.
Para resolver essa questão, especialistas batem na mesma tecla: integração. “Em vez de construir um hospital especializado em um pequeno município, com os recursos mais limitados, por que não se unir para construir um melhor na região, que atenda a diversos municípios e que tenha uma união dos recursos de todos eles?”, questiona Cintra, da FGV.
“Quem vai dar o tom dessa política integrada é o governo federal, como ele, tem a maior parte em termos de volume de dinheiro. Mas quem coloca em execução é o município”, explica o professor. O especialista em Gestão Pública e Gestão Governamental Edvaldo Batista de Sá, coordenador da área de saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra ainda da importância de se resgatar o papel do nível estadual, principalmente na organização da rede assistencial. (AA)