Ex-ministro da Saúde é acusado de favorecer empresas em compra de remédios

Publicado em 17/01/2019
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De acordo com MPF, irregularidades cometidas por Ricardo Barros teriam causado a morte de ao menos 14 pessoas

Ricardo Barros, então ministro da Saúde, durante entrevista coletiva Foto: Michel Filho/Agência O Globo/27-03-2018Ricardo Barros, então ministro da Saúde, durante entrevista coletiva Foto: Michel Filho/Agência O Globo/27-03-2018
 
 

 O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) apresentou uma ação civil pública de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde e deputado federal Ricardo Barros (PP-PR). De acordo com o MPF, houve o favorecimento para uma empresa no processo de compra de remédios para o tratamento de doenças raras, o que teria levado à morte de ao menos 14 pessoas. Também são alvos da ação a Global Gestão em Saúde e quatro servidores ou ex-servidores do Ministério da Saúde. A ação foi apresentada em dezembro, mas só foi divulgada pelo MPF nesta quarta.

Na ação, o MPF afirma que os atos de improbidade ocorreram na compra de cinco medicamentos: Aldurazyme, Fabrazyme, Myozyme, Elaprase e Soliris. As irregularidades teriam causado o desabastecimento por vários meses dos remédios, levando ao agravamento dos quadros de saúde dos pacientes. Em outubro, o GLOBO mostrou o drama das pessoas que dependem de um deles, o Soliris.  

As investigações começaram em dezembro de 2017, e miraram oito processos de compra por dispensa de licitação, para atender decisões judiciais que determinaram que a União fornecesse os medicamentos para pacientes. Nos oitos casos houve atraso na entrega dos remédios. O favorecimento teria partido de Ricardo Barros, que determinou que todos os processos passassem por ele.

Em três procedimentos de compras emergenciais, realizados em outubro de 2017, a Global ofereceu o menor preço e venceu a licitação. A Genzyme, que perdeu a disputa, informou ao ministério que a Global não cumpria os requisitos para participar do processo. Mesmo assim, a pasta pagou R$ 19 milhões à empresa, para a compra dos remédios Aldurazyme, Fabrazyme e Myiozyme.

A Global teve que recorrer à Justiça para conseguir importar os medicamentos, porque não tinha a licença necessária. Mesmo com decisão favorável, não conseguiu entregá-los. O MPF chegou a recomendar que o ministério encerrasse o contrato, já que havia pacientes esperando os remédios, mas a solicitação não foi aceita.

 

A procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pela ação, pediu o pagamento de R$ 19 milhões, como reparo ao dano causado aos cofres público. Para garantir o pagamento, ela solicitou o bloqueio dos bens requeridos até que seja atingido esse valor. Também pediu a perda de função pública, a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público.

Ex-ministro diz que enfrentou lobby

Ricardo Barros afirmou ao GLOBO que a ação é resultado de um enfrentamento que ele fez contra um lobby no setor. O ex-ministro diz acreditar que o Ministério Público irá mudar sua posição.

— É uma disputa, um lobby que está estabelecido. Agora está uma confusão estabelecida na Justiça, mas creio que o Ministério Público acabará revertendo sua posição.

Ricardo Barros também enviou uma nota, em que diz  que “a legislação foi cumprida rigorosamente” e que agiu “sempre dentro da lei”. De acordo com Barros, o MPF “deveria acusar as empresas que mantêm monopólio de representantes para explorar o erário público”.

Também em nota, o Ministério da Saúde disse que “respeitou toda a legislação vigente” e que “realizou todos esforços, incluindo uma compra emergencial, para garantir a assistência aos pacientes que utilizam os medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme, Elaprase, Myozyme e Soliris mesmo com as ocorrências conhecidas”.

 

A pasta ainda informou ter inscrito na Dívida Ativa da União a dívida de cerca de R$ 20 milhões da Global pelo “pelo não ressarcimento da aquisição de três medicamentos: Myozyme, Fabrazyme e Aldurazyme”.

A Global afirmou que “o caráter monopolista e cartelizado desse mercado tornou impossível a execução do contrato na sua totalidade, levando ao fornecimento apenas parcial das quantidades contratadas”. De acordo com a empresa, não houve desabastecimento dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme e, mesmo se houvesse, isso não causaria a morte do pacientes.

Além disso, a Global argumenta que as mortes foram causadas pela falta de outros remédios, fornecidos por outras empresas. “Portanto, não é correto tentar nos imputar sanções por acontecimentos - graves e lamentáveis, por se tratar de perda de vidas humanas - que só se relacionam a pacientes de outras patologias, atendidos por medicamentos comercializados por outras empresas, sem nenhuma relação com o contrato entre nossa empresa o Ministério da Saúde”, diz o texto.

Leia a nota de Ricardo Barros na íntegra:

“O ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros, lamenta que o Ministério Público Federal tenha escolhido o lado errado da luta no Sistema Único de Saúde (SUS). Deveria acusar as empresas que mantêm monopólio de representantes para explorar o erário público. A Justiça deu a autorização para a Global importar o medicamento. O laboratório fabricante, no entanto, recusou a vender o produto para a Global, mantendo um injusto e maior preço para o Brasil, praticado por seu representante comercial.

 

A legislação foi cumprida rigorosamente para aquisições por judicialização da Saúde. Os R$ 5 bilhões economizados em 22 meses à frente do Ministério contrariaram muitos interesses. Agimos sempre dentro da lei, e nesses casos com decisões judiciais favoráveis ao Ministério da Saúde.

O juiz substituto da 21ª Vara Federal de Brasília, Ronaldo Spagnolo, concedeu liminar para a importação do medicamento pela vencedora da licitação.

Também foi criado o núcleo de judicialização no Ministério da Saúde e atuamos em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A judicialização da Saúde consome anualmente RS 7 bilhões dos cofres públicos.”

Leia a nota do Ministério da Saúde na íntegra:

“O Ministério da Saúde informa que inscreveu na Dívida Ativa da União, a dívida de cerca de R$ 20 milhões da empresa Global Gestão em Saúde pelo não ressarcimento da aquisição de três medicamentos: Myozyme, Fabrazyme e Aldurazyme. A ação se deu pelo não cumprimento do prazo de entrega do quantitativo adquirido, estabelecido em contrato assinado por ambas as partes (até o final de agosto/2018).

Sobre a Ação Civil Pública, do Ministério Público Federal (MPF-DF), é importante ressaltar que o Ministério da Saúde realizou todos esforços, incluindo uma compra emergencial, para garantir a assistência aos pacientes que utilizam os medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme, Elaprase, Myozyme e Soliris mesmo com as ocorrências conhecidas.

 

É importante ressaltar que a compra realizada pelo Ministério da Saúde respeitou toda a legislação vigente, que obriga o órgão público a declarar vencedor da concorrência a empresa que oferecer o menor preço, como ocorreu no caso da Global.”

Leia a nota da Global na íntegra:

“A Global Gestão em Saúde S/A esclarece que foi firmado um contrato com o Ministério da Saúde, após processo de cotação por menor preço regido pela lei 8.666, para fornecimento de medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme, utilizados no tratamento de Doença de Fabry, Doença de Pompe e Síndrome de Hurler-Scheie, classificadas como doenças raras.

A aquisição destes medicamentos pelo Ministério da Saúde foi determinada por decisão judicial. Essa ordem judicial é feita no nome comercial dos medicamentos e não no seu princípio ativo, fazendo com que o Ministério da Saúde fique impedido de buscar no mercado medicamentos que tenham as mesmas propriedades e que sejam concorrentes dessas marcas. Portanto, não é correto dizer que a empresa foi beneficiada por “dispensa de licitação”, já que a “dispensa” favorece apenas o fabricante.

Tal modalidade de compra leva à cartelização e ao monopólio do mercado de medicamentos para doenças raras. Para romper a cartelização e o monopólio, a aquisição desses medicamentos foi feita no mercado internacional, a preço mais baixo que o praticado no Brasil. Em reunião com a indústria, na presença do Ministério Público, a indústria reiterou as negativas de venda, sem se preocupar com a saúde e os bem-estar dos pacientes, reforçando sua posição de monopólio.

 

O caráter monopolista e cartelizado desse mercado tornou impossível a execução do contrato na sua totalidade, levando ao fornecimento apenas parcial das quantidades contratadas. Ainda assim, não há a constatação de desabastecimento dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme, objetos do contrato com o Ministério da Saúde. Portanto, diferentemente do mencionado na petição inicial, esta não é a causa do trágico registro de 14 óbitos. Vale lembrar ainda que houvesse ocorrido uma eventual interrupção da administração desses medicamentos, extremamente necessários ao bem-estar dos pacientes, isso não acarretaria óbito.

Além disso, de acordo com a própria petição inicial, os pacientes que lamentavelmente vieram a falecer sofriam de outras doenças e eram atendidos por outros medicamentos, comercializados por outras empresas. Portanto, não é correto tentar nos imputar sanções por acontecimentos - graves e lamentáveis, por se tratar de perda de vidas humanas - que só se relacionam a pacientes de outras patologias, atendidos por medicamentos comercializados por outras empresas, sem nenhuma relação com o contrato entre nossa empresa o Ministério da Saúde.

A proposta comercial apresentada para avaliação do Ministério da Saúde dentro do processo de tomada de preços para a compra dos medicamentos especificados já continha como condição o pagamento antecipado. Como forma de redução de custos, é absolutamente relevante no Brasil considerar o custo financeiro do prazo de pagamento. Esta forma de pagamento desonera os custos, permitindo assim repassar o menor custo não só ao cliente, no caso o Ministério da Saúde,  mas também aos fornecedores.

 

A rescisão do aludido contrato está em fase final de negociação, restando a apuração dos valores devidos, uma vez que parte dos medicamentos foi entregue. A devolução dos valores referentes à parcela dos medicamentos que não foram entregues será efetuada conforme estabelecido em contrato e de acordo com os termos negociados com o Ministério da Saúde”.

FONTE

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