Demorou nove anos para os investidores conhecerem detalhes das remunerações de todos os executivos e conselheiros das companhias abertas brasileiras.
Em 2009, a CVM, reguladora do mercado de capitais, mandou que elas divulgassem a remuneração média, a menor e a maior dos administradores.
Desde então, 45 empresas seguraram as informações, por meio de uma liminar, sob argumentos como "privacidade e segurança".
Um primeiro olhar já chamou a atenção para as diferenças muito expressivas entre o maior e o menor pagamento, dentro dos colegiados, de pelo menos 16 companhias.
No caso da CPFL Energia, o maior pagamento supera o menor em 38 vezes (3.689%). Na Hypera, a diferença é de 27 vezes; no Pão de Açúcar, de 33 vezes; na Porto Seguro, de 31.
As diferenças podem estar amparadas em boas justificativas, e os números precisam ser olhados caso a caso.
A atuação de um só executivo pode ser o diferencial para as receitas de uma empresa.
Funcionários da montadora italiana Fiat-Chrysler ameaçaram greve para protestar contra a contratação pela Juventus de Cristiano Ronaldo, melhor jogador do mundo.
Uma das sócias majoritárias do time italiano, a holding Exor tem 30% da montadora.
Nos últimos anos, a Fiat vem pedindo aos funcionários que façam sacrifícios em razão de restrições financeiras no setor. E eles se indignaram com o valor do negócio, ? 100 milhões (R$ 443,5 milhões).
A notícia seguinte foi: em só três dias, a receita com a venda de camisas do time com o nome de Ronaldo já equivalia à metade da transação.
Renato Chaves, consultor de governança corporativa e ex-diretor da Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), diz entender que um presidente de conselho ou da companhia deva ganhar mais. "Mas será que um percentual superior a 1.000% é, de fato, adequado?", questiona.
Ele mostra ainda mais preocupação quando quem ganha mais é o fundador.
"Em tese, essa figura já foi premiada quando vendeu a empresa na Bolsa. Se continua com um pagamento diferenciado por ter criado o negócio, acaba tendo um dividendo eterno", afirma.
Heloisa Bedicks, superintendente-geral do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), diz que as empresa devem ser transparentes nessas informações.
"Cabe aos acionistas, de posse dos detalhes e justificativas, comparecer às assembleias e eventualmente questionar esses valores, se acharem que é o caso", diz Heloisa.
Heloisa afirma ainda que é recomendável que as diferenças não sejam "muito grandes". Mas diz acreditar que elas podem ter bons motivos.
"Se a empresa está numa fase de aquisições, ou se um conselheiro dedica mais horas a ela, faz parte de diversos comitês de assessoramento", diz.
A partir de agora, ela afirma que o IBGC vai se debruçar sobre a análise dos dados.
A pesquisa mais recente do instituto foi em 2016.
Parece ser razoável supor que, no caso dos bancos, o ganho do presidente, pelo tamanho da responsabilidade, seja maior do que os de diretores com menos atribuições.
No Itaú e no Santander, a maior remuneração supera a menor em 18 vezes; no Bradesco, em 16; no BTG, em 4,7 vezes.
Casos de Kroton (12 vezes) e Hypera podem ser explicados pelo volume de aquisições dos últimos anos, que aumentaram os bônus dos executivos e os retornos dos acionistas.
Localiza e Porto Seguro, que têm fundadores no conselho, destacam as horas dedicadas ao dia a dia da empresa e o conhecimento do negócio. No caso da Even, a comparação com o menor pagamento de 2017 ficou distorcida porque refere-se a um executivo que ocupou o posto em setembro de 2017 e recebeu os pagamentos referentes apenas a três meses.
Outros fatores apontados pelas companhias são o atrelamento dos valores pagos a metas de desempenho, o período de exercício de planos de opções e até a renúncia de algum diretor ou conselheiro durante o exercício.